Conselho Regional de Medicina de SC condena médico por ter implantado o “acolhimento” quando fora secretário de saúde de Chapecó

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Tem circulado pelas redes da Saúde Coletiva e outras redes comprometidas com o SUS, a carta de nosso companheiro Plínio Silveira, médico que foi condenado pelo CRM de seu estado (o CREMESC) por ter implantado o nacionalmente reconhecido "Acolher Chapecó", quando foi secretário de saúde deste município catarinense.
Publicando sua carta em nossa Rede, pretendo repercutir a indignação que percorre o campo daqueles que lutam por um SUS comprometido com práticas mais solidárias…
Pretendo oferecer a solidariedade desta Rede a um companheiro que paga um alto preço pessoal por uma ousadia que, afinal, é a nossa!
Creio que outros companheiros desta Rede, que conheceram mais de perto esse trabalho em Chapecó e sabem mais do que se passa com o Plínio, poderão complementar as informações deste post.

A carta:

Meus Caros Amigos e Amigas:

Como diria meu pai, as noticias não são alvissareiras.

O CREMESC condenou-me à pena de "Censura Pública em Publicação Oficial". Na Ementa lê-se: "PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – FUNÇÃO DE DIREÇÃO – OBRIGAÇÃO DE ZELO PELA PROFISSÃO MÉDICA – CERCEAMENTO DE ATUAÇÃO – DELEGAÇÃO DE ATOS PRIVATIVOS DA CLASSE MÉDICA – ACUMPLICIAMENTO PARA ESTA PRÁTICA – LIMITAÇÃO DA CAPACIDADE DE BEM ESTAR DO PACIENTE – POSICIONAMENTO CONTRÁRIO AOS MOVIMENTOS DA CATEGORIA – NÃO SUBMISSÃO ÀS NORMA VIGENTES – CONFIGURAÇÃO – INFRAÇÃO AOS PRECEITOS INSERTOS NOS ARTIGOS 4º, 17º, 18º, 19º, 30º, 48º, 78º, 85º E 142 DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

Os pressupostos do "Acolher Chapecó" com toda a sua riqueza, assim como todas as experiências de acolhimento vigentes pelo Brasil afora, encontram, a partir de agora, na posição do CREMESC, um forte revés. Não que isso esmoreça minha vontade e o meu ânimo em continuar a defender a construção de uma proposta que seja, a um só tempo, espaço para reafirmação da importância de todos os profissionais e espaço para reafirmação dos fundamentos do Sistema Único de Saúde em defesa da vida. Vejo, porém, nessa decisão – da qual com certeza recorrerei, pela violência e furor com que foi tomada – um importante obstáculo à implantação do acolhimento, pela jurisprudência que cria no âmbito das autarquias encarregadas de fiscalizar o exercício profissional.

Na noite do julgamento estive na sede do  CREMESC, para utilizar-me dos 10 minutos que me foram dados para a sustentação oral em minha defesa. Constrangido, tive que dispensar as 2 advogadas que lá estavam para me ajudar. O que tinham escrito era, na verdade, munição para a acusação. Imputo isso à inexperiência e a dificuldade em lidar com as sutilezas de um processo como esse, em que, para mim, desde o início esteve sempre clara uma intenção: dar uma roupagem de legalidade a algo que desde o início já havia sido julgado. Quem ler os quesitos formulados na minha oitiva verá que isso está muito evidente.

Mas, enfim….de nada adiantaram minhas palavras. Liberdade não tive para ser escutado, porque a sensação era de que estavam com os olhos e os ouvidos fechados a qualquer intervenção.
Lembrei-me, naquela noite, de um escrito de 1967 – coincidentemente durante o odioso período da ditadura militar e o ano em que passou a viger a Lei 5250, que buscou “regular a liberdade de manifestação do pensamento e de informação” – onde o poeta Moacyr Félix assinalava:

                                           “Meu pai, o que é a liberdade? – É o seu rosto meu filho, o seu jeito de indagar o mundo a pedir guarita no brilho do seu olhar.

                                            A liberdade, meu filho, é o próprio rosto da vida que a vida quis desvendar; sua irmã numa escalada iniciada há milênios em direção

                                            ao amor; seu corpo feito de nuvens, carne, sal, desejo, cálcio e fundamentos de dor.

Estou, pois, formulando o recurso ao Pleno do CREMESC. Não me iludo. Entendo que não recorrer seria a aceitação tácita, passiva, de todas as teses estapafúrdias do relator da sindicância que ensejou o processo. Mas dadas as características e à natureza dele, sei que as chances de sucesso são pequenas.
Sinto-me livre, porém.

Um grande abraço.

Plinio Silveira