A EXPERIÊNCIA DAS CIRANDAS DA VIDA NO CONTEXTO DA GESTÃO DE SAÚDE DE FORTALEZA

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O Projeto Cirandas da Vida surgiu por iniciativa dos movimentos populares articulados pela ANEPS (Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde) e situa-se no contexto da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza-Ce como uma ação de educação permanente, que parte da perspectiva popular na luta pelo direito à saúde.

            Lançado em meados de 2005, colocou em cena o desafio de desenhar coletivamente uma proposta de educação popular que construa um olhar multireferencial na interface entre atores populares e institucionais, para dialogar sobre ações coletivas de enfrentamento às situações-limite (os problemas mais agudos) apontadas pela população, especialmente nas áreas de maior vulnerabilidade social de Fortaleza.

            Tendo como ponto de partida a possibilidade de delinear caminhos de reconstituição coletiva da memória social das comunidades periféricas da cidade, expressas como suas histórias de luta e resistência, os atores sociais envolvidos nas rodas das Cirandas da Vida têm apontado situações-limite e potencialidades (fraquezas e fortalezas), construindo possibilidades de transformação da vida do lugar, a partir de atos-limite (ações transformadoras).

As situações-limite, segundo Paulo Freire (Freire, 2000) são aqui entendidas como aquelas que exigem transformação no contexto local, por dificultarem a concretização dos sonhos, desejos e necessidades coletivas das populações. As Cirandas da Vida propõem que o poder analítico dos grupos e movimentos populares possa dialogar sobre ações compartilhadas, onde o princípio de comunidade intervém junto às esferas institucionais em um processo que inclui discussão, reflexão critica e possibilidade de diálogo efetivo. Esse processo envolveu o conjunto de atores sociais locais organizados em grupos geracionais, (crianças, jovens e adultos-idosos) que, ao problematizarem a questão, têm refletido sobre as causas e as determinações evidenciadas no percurso reflexivo.

Diante desse contexto, as Cirandas da Vida contribuem com um olhar que concebe o indivíduo inserido na família e na comunidade o que pressupõe a efetivação da interdisciplinaridade e da intersetorialidade na construção das ações. A percepção da potência social dos grupos, movimentos e organizações populares permitiu que o percurso das cirandas fosse rompendo a inércia e o conformismo frente às difíceis realidades vividas. Trabalhando com a expressividade da arte, surgiu a rede de arte cultura e saúde, onde artistas das comunidades em situação de maior vulnerabilidade social na cidade passaram a ocupar espaços públicos, problematizar e construir atos limite para questões cruciais para a saúde como a violência, a dificuldade de acesso às políticas, entre outras, colocando em cena a juventude, em geral ausente ou pouco presente, nos espaços de gestão e controle social na saúde. Assim, as cirandas vêm fazendo conexões com a Coordenadoria de Juventude e as outras políticas, contribuindo com arranjos metodológicos que fortaleçam o protagonismo juvenil.  As experiências de socioeconomia solidária têm trazido para o campo da saúde, a dimensão da solidariedade e a perspectiva de visibilização das estratégias populares na perspectiva de uma melhor qualidade de vida. Na experiência das Cirandas isto tem se materializado através da realização de feiras de saúde economia solidária, que agregam valor econômico solidário para empreendedores comunitários e articulação entre os centros de saúde da família, os grupos e movimentos. As Cirandas realizaram em 2008 11 feiras junto aos Centros de Saúde da Família, articularam a rede de arte, cultura e saúde, fortaleceram as práticas populares de cuidado como estratégia de caminhar rumo á gestão participativa pela inclusão de novos atores sociais e, promoveram o encontro entre os saberes: acadêmico e popular.

Foi considerando a relevância de inserir a proposta das Cirandas da Vida no contexto do projeto pedagógico de algumas escolas, configurou-se a trilha Cirandas nas Escolas, objetivando aprofundar a reflexão acerca da violência, principal situação limite (problema a ser enfrentado) apontada nas rodas em várias regiões de Fortaleza, na perspectiva de construir atos limite (ações de enfrentamentos) coletivos com base na educação popular que potencializem o fortalecimento de vínculos entre a comunidade escolar e o território onde está inserida.  A proposta ancora-se nas linguagens da arte, que refletem as potencialidades de atores e grupos juvenis nas diversas regiões de Fortaleza, como espaços de produção de saberes e sentidos, a partir dos quais é possível promover a ampliação da percepção de seres humanos, sujeitos criativos e afetivos, capazes de fomentar a participação popular e o protagonismo infanto-juvenil na promoção da saúde e da vida. No que diz respeito à dificuldade de acesso aos serviços de saúde esses desafios afirmaram a necessidade de redimensionamento da atenção à saúde prestada, expressa no desejo de um maior diálogo e respeito à comunidade. Emergiram assim trilhas temáticas no contexto das dificuldades de acesso aos serviços de saúde: humanização das ações; organização da atenção à saúde e participação popular. 

A humanização tem sido um dos principais focos da discussão, permeando as três trilhas acima descritas e suscitando a necessária convergência de caminhos que tenham por base o diálogo, a solidariedade e a compreensão de que o fazer compartilhado torna a humanização possível.

A discussão acerca das dificuldades de moradia nas áreas de risco possibilitou a reflexão sobre as diversas dimensões do tema problema, revelando a necessidade de problematizar as causas e determinantes da ocupação do mangue e seus impactos sobre a vida dessas pessoas.

No processo outras questões foram evidenciadas tais como: o desafio de estruturação de políticas de geração de emprego e renda, o confronto entre as leis de proteção ambiental e a realidade concreta de pessoas vivendo em ambientes hostis, onde a falta de oportunidades gera agressões ao ambiente e impacto sobre a saúde das pessoas.

Outro aspecto importante refere-se à participação das crianças, que protagonizam diferentes ações ao participar dos momentos de reconstituição da história do seu bairro, colocando-se como moradores que percebem os problemas do lugar; apresentando o que entendem como potencialidades e falando dos seus desejos e sonhos sobre espaço urbano.

Com assento garantido nas rodas das Cirandas, as crianças são sensibilizadas a expressarem sua compreensão do lugar onde vivem, por meio de desenhos, música, teatro, dança e outras manifestações artísticas, mostrando o quanto estão antenadas com as questões que permeiam o seu cotidiano. As crianças constróem um olhar singular e interferem no direcionamento e na tomada de decisões, influenciado as demais gerações.

Objetivos e ações das Cirandas da Vida que constróem tecnologias leves de práticas e saberes nos territórios 

  • Articular a participação de diversos atores institucionais e comunitários, para definição de situações-limite (problemas que requerem soluções) e desenvolvimento de ações coletivas;

  • Potencializar a interação entre políticas setoriais para construção de processos interdisciplinares do trabalho em saúde;

  • Promover o compartilhamento de saberes e incorporação da visão de integralidade nos processos de ensino-serviço;

  • Potencializar o protagonismo popular na conquista da saúde como direito;

  • Promover o fortalecimento do controle social e da gestão participativa, numa visão ampla e transversal;

  • Desenvolver processos de escuta à população;

  • Potencializar a inclusão da educação popular nos processos formativos do Sistema Municipal Saúde Escola de Fortaleza e avançar no diálogo com a sociedade, os movimentos, a gestão e o poder legilslativo para formulação e fetivação da política municipal de educação popular e saúde;

  • Articular e mobilizar os grupos e movimentos no processo de formação da Rede de Arte, Cultura e Saúde, para o fomento das ações em rede, com as linguagens transformadoras da arte.

  • Difundir, valorizar e promover a inclusão das práticas integrativas e complementares de saúde, na gestão e nos serviços, através de processos formativos, caminhando para a efetivação da política municipal de praticas integrativas e complementares;

 

Ações realizadas por trilhas temáticas:

1. Humanização e práticas de cuidado

  • Oficinas de resgate da auto estima;
  • Cuidando do cuidador;
  • Construção de metodologias participativas;
  • Oficinas do riso e formação dos palhaços terapeutas;
  • Formação em Massoterapia, Reiki, Biodança, Reflexologia e outras práticas, a partir do espaço Ekobé, oca construída dentro do Campus da Universidade Estadual do Ceará – UECE, parceria que envolve a SMS, ANEPS, UECE e os diversos movimentos da cidade que compõem a ANEPS;
  • Participação nos processos formativos diversos do Sistema Municipal de Saúde Escola;
  • Participação e valorização das rodas de gestão saúde comunidade;
  • Incorporação das linguagens das artes nos processos de saúde;
  • Produção de revistas em quadrinhos através de oficinas com a população (crianças e adolescentes);

2. Economia Solidária, ambiente e moradia

Ações realizadas:

  • Processo de escuta “Olhares sobre o Mangue” – ação intersetorial coordenada pelas cirandas, de escuta a população do Mangue Vila Velha;
  • Oficinas Olhares Sobre o Mangue: articulação intersetorial e comunitária sobre a vida no Mangue;
  • Escambos de arte e saúde, na luta contra a Dengue;
  • Feiras de Saúde e Economia Solidária;
  • Cirandas na Lagoa – ajudando a pensar a participação e a urbanização da Lagoa de Itaperaoba;
  • Organização de grupos de usuários para o acesso aos programas sociais da moradia;
  • Oficinas de Economia Solidária para mulheres produtoras;
  • Oficinas de Agro ecologia e farmácia viva;

3. Juventude em situação de conflito com a Lei

Ações realizadas:

  • Círculos de cultura com a juventude;
  • Vivencias de Graffite e Aerografia;
  • Oficinas de acolhimento para adolescentes;
  • Teatro, musica, dança, poesia, HQ e hip hop;

Articulação e parceria com a Coordenadoria de Juventude contribuindo com a construção de metodologias dialógicas e fortalecendo a intersetorialidade desta política com o olhar da saúde.

4. Cirandas nas Escolas

Ações realizada:

·        Oficinas de arte, cultura e saúde com alunos das escolas municipais (processo desenvolvido a partir do protagonismo infanto-juvenil presente nos grupos populares que trabalham com arte e educação popular em algumas regionais;

·        Estratégia de pensar atos limite (ações) para o enfrentamento da violência  e de outras situações-limite (problemas) elencadas pela escola e, que  interferem na saúde da população de Fortaleza, potencializando as  linguagens da arte no contexto pedagógico de escolas municipais;

·        Promoção de espaços de problematização acerca da violência, gravidez na adolescência, DST, AIDS, Dengue e outras situações–limite (problemas) apontadas no âmbito de escolas e comunidades;

·        A ação Cirandas nas Escolas aponta ainda, para a necessidade de promover um processo educativo permanente com base na educação popular, envolvendo professores(as) e gestores(as) das referidas escolas, através da participação dos grupos e movimentos culturais nas atividades educativas e culturais que o processo fomenta.

5. Rede de Arte, Cultura e Saúde (RACS)

Ações realizadas:

·         A rede realizou no âmbito das seis regionais os Escambos de Arte e Saúde, com a participação de 130 artistas e 50 grupos e movimentos;

·         SER I – Dança e música construindo o cuidado com o ambiente;

·         SER II – Juventude quer viver;

·         SER III – Cultura e Economia Solidária;

·         SER IV – Negritude, ambiente e saúde;

·         SER V – Arte e educação popular;

·         SER VI – Palmeiras das artes e da economia solidária;

·         Eventos de culminância ocorridos em 2008: Cirandas na Praça e Cirandas no Dragão;

Nesta Ciranda a gente segue VIVENDO, AMANDO E APRENDENDO.

Elias J. Silva – Coordenador Geral

Vera Dantas – Assessora Pedagógica

Ray Lima – Assessor Artístico-Pedagógico

Johnson Soares – SER I

Thiago Porto – SER II

Paulo Nogueira – SER III

Honorato Filho – SER IV

Jair Soares – SER V

Edvan Florencio – SER VI

Francisco Josenildo – Apoio pedagógico e arte visual