Acolhimento: difícil de explicar, fácil de reconhecer
O conceito de acolhimento é difícil de delimitar positivamente. Uma definição positiva exige uma delicada construção de sentido. Exige esforço intelectual, leitura, referência e articulação com outros conceitos. Ou seja, é difícil de explicar para a maioria das pessoas. Alguns gostam do refinamento das idéias da mesma forma que outros poucos adoram o dos números. A maioria prefere conceitos mais fáceis.
Por sorte há outra maneira de se operar a definição de um conceito. Ou mesmo de um objeto. É mais pobre em termos de fundamentação e refinamento, mas, no entanto é rica em capacidade de fornecer uma imagem afetiva e familiar. Basta mostrar o que não ele não é. Demarcando-se uma fronteira externa que dá forma ao objeto. Exclui-se da noção tudo o que ela não é, e que nos é familiar, dando uma imagem bastante fiel de sua substancia.
Assim é que o episódio da omissão de socorro as gestantes no Rio de Janeiro se torna bastante útil para explicar o que é acolhimento.
Aos fatos, ressalte-se, públicos: Ele não atendeu as gestantes. Isto parece consenso. Estando as mulheres em trabalho de parto ele se limitou a escrever em seus braços o nome do hospital que poderia atendê-las, bem como as linhas de ônibus que elas deveriam tomar para chegar ao local. A objeção de uma enfermeira sobre o trecho que uma das grávidas teria que percorrer a pé ele disse que poderia ser feito ainda antes da ruptura da bolsa. Desnecessário lembrar que as moças chegaram ao hospital indicado pelo plantonista em trabalho de parto, sendo que uma das crianças já estava morta.
Então o médico não atendeu adequadamente as usuárias. Mas, para explicar o que é acolhimento, lembro que ele responde a inquérito administrativo com o risco de perder o emprego, o registro no Conselho de Medicina e provavelmente terá (ele ou o erário municipal) que indenizar as pacientes. Se ele não as atendeu corretamente e mesmo assim será responsabilizado pela forma como as “encaminhou” a outra instituição o que é que ele deveria ter feito corretamente? Entre várias outras coisas, deveria ter assumido os riscos, ou de realizar os partos para os quais poderia não ter disponível a estrutura ou condições adequadas. Poderia ter providenciado o transporte de urgência, enfim tinha várias opções para decidir melhor. Nenhuma implicava em eliminação absoluta dos riscos, mas poderia ter reduzido o potencial de desfecho danoso no episódio.
O caso é que ele optou por uma forma de fazer que desperta indignação e fez o Prefeito da cidade descrever como gesto que só se reserva ao gado e que se deve a ação de alguém com a mente perturbada. Algo que não tem justificativa nem mesmo na crise de recursos pela qual passa o setor da saúde pública no Rio de Janeiro.
Pode ser que alguém na entrada do hospital, ou no setor adequado tenha feito algum tipo de acolhimento para estas gestantes, mas esse médico não as atendeu segundo a capacitação que tem e fez, sem dúvida a coisa mais distante de um acolhimento. Algo tão tosco que nos serve como uma definição completa do que o acolhimento não é.
E, citando Cecília Meireles, “Liberdade. Palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”, parafraseamos: Acolhimento. Conceito que os trabalhadores da saúde anseiam por ver em prática, que não conseguem explicar com simplicidade, mas que não há quem não o reconheça tendo dele precisado.