A negação do outro como negação da finitude.

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A incomensurabilidade dos discursos de fé e dos discursos baseados em evidências estatísticas são interessantes como incentivo a investigação filosófica. Cada argumento se refere a inclinações humanas recorrentes, mas divergentes.

Observamos a regularidades do mundo e tentamos organizá-las na forma de conhecimento e tecnologia. Isso nos confere mais poder. Por outro lado, queremos transcender ao mundo observável. Ir além dos limites que impedem nossos corpos e limitam a persistência da consciência de nós mesmos.

Temos uma certeza angustiante em relação a morte. Sabemos que ela irá nos colher em algum momento. Tudo o que nos faz temê-la, aponta para a sensação intolerável de extinção de nossa capacidade de perceber nossa presença. Viver parece ser estender ao longo do tempo e do espaço a noção que temos de nós mesmos e, em certa medida, de um mundo em torno de nós.

A questão é que a extinção, nosso maior medo, é impensável. Não podemos significar o que seja não existir. Afinal, primeiro existimos e depois formamos uma consciência de estarmos vivos. Tudo que sentimos, e nos move, está em nós ainda antes da noção de "se dar por gente". Partilhamos o instinto de sobrevivência com tudo o mais que sabemos estar vivo. E reconhecemos a passividade com que o que está morto se decompõe de volta aos elementos físicos.

Tudo o que sabemos sobre a consciência é que ela é um padrão de conexões elétricas. O que na vida temos de mais importante é a mais elementar da funções subatômicas ocorrendo no cérebro: Nossa mente é um atributo do ambiente e não um sala de pilotagem para a alma. Um mundo de eventos químicos e físicos. Na mente humana a noção da existência é instilada por processos que são, essencialmente físicos, a despeito de ocorrerem em uma base orgânica. Isso é o que as evidências indicam, o resto é especulação.

Não toleramos estas evidências. Na verdade precisamos de mais, muito mais. Criamos mitos de fé em que a alma se ancora, mas não está presa ao corpo, que aparentemente se extingue corriqueiramente. Essa negação, fundamentada ou não (afinal a ciência não toca o mistério, apenas lida com o que é recorrente para os sentidos) tem uma consequência importante. A pretensão da crença em suplantar os dados sensíveis é preocupante. Ela alimenta ódios profundos. A liberação da agressividade contra o mundo e contra a vida, em última instância, libera uma pulsão de morte.

Ou você tolera o que é divergente, diferente, ou você o nega. O problema é que quem der o primeiro passo na direção de negar o outro, instaura a cena da violência. Resta ao oponente a disposição por se deixar martirizar, ou a resposta agressiva.

De qualquer forma, parece que recairemos na tentação de eliminar o outro. Sejamos ateus, agnósticos ou crentes estamos sempre dispostos a lutar por persistir e sobreviver ao oponente. É uma inclinação que precede a consciência e perdura em nós. Um desejo de que nossa visão de mundo permaneça e com ela alcancemos uma duração que a morte nos nega. Mesmo que o custo seja eliminar a riqueza de visões de mundo que divergem da nossa. A verdade é uma ilusão que denota a derrota da morte. Por mais que a evidência diga o contrário, queremos descobrir que a morte é uma mentira.

Só se a consciência de si mesmo, também for. Que sentido teria temer a morte se a individualidade e a independência, junto com a autonomia e o livre arbítrio fossem uma ilusão. Isso é budismo. Bem, então é uma alternativa a negação do outro que já foi pensada: a negação de si mesmo.

O fato é que a racionalidade, por si só, não pode evitar o estado de conflito em que estamos mergulhados. A crença, por sua vez, depende desse estado de luta maniqueísta.

Um mundo em crise demanda respostas delicadas e complexas. Mas a marca de um mundo em crise é a precipitação e a atração por respostas fáceis e toscas….