O SUS como artefato de humanos e não humanos, de naturezas/culturas fraternas.

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O texto transcrito logo abaixo é do presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Rio Grande do Sul – FESSERS, Milton Kempfer.

Ele dá conta de um fenômeno a respeito do qual venho refletindo e escrevendo: Como reunir a fraternidade de humanos e não humanos que produziram a constituição de 1998? Estou me servindo na íntegra do ensaio seminal de Bruno Latour entitulado: "Jamais fomos Modernos – Ensaio de Antropologia simétrica", publicado no Brasil em 1994.

Parto do prícipio de que a elaboração dos artigos da Constituição Federal que instiuem o SUS não foram o resultado do enfrentamento de dicotomias absolutas de esquerda e de direita.

O SUS é um artefato humano que emerge das confluências de saberes técnicos, Commodities de tecnologias  da saúde que eram e são promessas cada vez mais concretas, interesses de empreendedores, de políticos em busca de financiamento, de agentes públicos contaminados por práticas de acumulação de capitais simbólicos – monetários e acadêmicos (Pierre Bourdieu), de corpos profissionais em busca de mercados de trabalhos capazes de sustentar uma carreira estável e com possibilidade de ascenção, de interesses do crime organizado, do movimento da reforma sanitária, das comunidades eclesiais de base CEBS, da teologia da libertação, etc.

Enfim, mada nisso se resume a uma luta do bem contra o mal. Há uma série de isntrumentos de mediação e de hibridização situados no império do meio (Latour, 1994) que separam os extremos conceituais de afirmação do SUS universal, de um lado e de negação dele, de outro lado.

A situação que o Milton descreve abaixo é por demais evidente, porém como não se refere ao polo em que os modernos procuram purificar da realidade os híbridos produzidos onde a vida acontece parece que o discurso dele não encontra um lugar de ligitimidade no debate público – os extremos onde se chancela a verdade do saber e a pauta pública legítima.

Embora seja figura carimbada em círculo de pares que detem o "saber autorizado", tudo o que o Milton afirma na linguagem do senso comum permanece no meio e não afeta os extremos onde a "verdade" é dita ou refutada.

É comum ouvirmos dos operadores do direito mais renomados e aclamados, os especialistas na doutrina, as mesmas afirmações do Milton. Entretanto isso é dito no hermetismo da linguagem do direito, só acessível ao seleto grupo que vacila diante da ameaça crescente e a seus confortos de elite.

Os quase objetos, quase sujeitos que proliferaram no império do meio são capazes de dizer mais sobre nós do que podemos perceber. Como em um exame de ecocardiografia: a máquina nos revela. Mas as máquinas não são só máquinas, o dinheiro não é só dinheiro e há muito os humanos não são só humanos (Latour, 1994 p.136).

Partilhamos até mesmo a linguagem com estes quase sujeitos, quase objetos: programas, instalados em procesadores de informação que ajustam meu estilo e o rumo de minhas idéias com seus "corretores inteligentes" – o editor de textos do Windows, neste momento.

Precisamos desvendar academicamente este império do meio onde habitam os hibridos de natureza e cultura. Para em seguida mediarmos e modularmos para as demais provincias de linguagens sua boa nova superando as partições entre a ciência e a sociedade, entre a natureza e a cultura, entre o direito e a justiça.

Devemos mirar as provincias de linguagem usadas pelo coletivo amplo que constrói e é constituído pela mobilização dos recursos do SUS em torno e dentro de suas existências.

Aqui me referindo ao coletivo composto pelos usuários do SUS, os pobres – alvo da prevenção, dos programas e das políticas de erradicação de doênças endêmicas; Os ricos, usuários dos serviços de alta complexidade como os transplantes; Os prestadores de serviço conveniados, contratualizados, terceirizados e cooperativas; Os governantes, os parlamentares, o Ministério Público; Os mega investidores sediados em outros países e suas estratégias de ataque ao mercado de bem comum representado pelo SUS, e todos os demais atores.

Todos atuando no meio, entre as definições absolutas da lei e de sua transgreção. Fazendo proliferar híbridos de natureza e cultura, de fatos e sujeitos, de coisas e sociedades.

Esta pode ser uma nova forma de ver a iniquidade no sistema:

Percebermos a iniquidade como fluxos na rede de híbridos que estavam atuantes em sua constituição e que jamais foram derrotados, mas que perderam a fraternidade que poderiam ter com nossa rede.

Poderiam acreditar nas mensagens enviadas pelos instrumentos que se aliaram a humanidade e agora nos alertam quanto aos riscos do aquecimento global, das guerras, da miséria, das drogas, enfim da dissolução da grande rede de humanos e não humanos (que vem se humanizando fraternamente).

Mas não. Fazem gruerra contra nossa rede como se o muro de berlim estivesse em pé em pleno 2009. É verdade que alguns de nós (eu inclisive) tambem parecemos as vezes ver apenas esquerda e direita em todas as latitudes e dimensões. Esquecemos a topologia em favor dos territórios. Bem, só as vezes.

Ao texto do Milton:

Houve um tempo, que as leis eram cumpridas a risca, mesmo com o uso da força.Também pudera, leis eram todas feitas para um lado só da sociedade: protegiam a elite.

Nelas não haviam benefícios sociais, apenas leis protetoras do patrimônio e das regalias da burguesia. Hoje as leis afirmativas avançaram: proteção aos trabalhadores, proteção as diferenças, garantias mínimas, restrição aos abusos de poder, etc.

Só que as leis já não tem tanta força, mesmo com uma decisão judicial na mão, nada está garantido. A única decisão judicial que ainda é cumprida usando a força, mesmo com ameaça ao direito a vida é a decisão de reintegração de posse. Principalmente se essa posse é de uma grande área ou coorporação.

A lei é forte contra os fracos e é fraca contra os fortes. O judiciário que deveria chamar-se arbitrário, consegue ser implacável contra as faltas ou delitos cometidos pelos pobres (coisas de pequena monta), mas não tem eficácia contra grandes sonegadores, falsários, curruptos, contrabandistas e traficantes.

O Poder Executivo, fiscal das leis, tem vistas grossas e pouca força para cobrar dividas de grandes empresários, latifundiários. As dívidas fiscais são enormes. Os débitos com INSS e FGTS só das filantropias gaúchas somam mais de 500 milhões. Mas e e daí? Só quem saí prejudicado são os trabalhadores mesmo, para que se preocupar.

Até agora já fecharam quase duas dezenas de hospitais no RS, trabalhadores com o trabalho de uma vida, ficaram sem seus direitos mínimos.

Os representantes do povo (deputados e senadores), até fizeram algum discurso. Os governos (municipal, estadual e federal) apresentam ao seus eleitores muita omissão.

O judiciário, bem, alguns juízes deram sentenças, mas para serem fixadas em murais. Não há responsabilização de ninguém. Então as sentenças não servem pra nada.

Mas e daí, os três poderes pelo menos conseguem proteger seus próprios direitos, ninguém conseguiu, apesar dos discurso de crise e falta de dinheiro, reduzir os direitos dos deputados, senadores, juízes, prefeitos, vereadores, governadores, presidente, ministros, etc… Viram como esses órgãos funcionam? Era pra proteger o povo, mas é muito difícil, melhor é proteger a si mesmo.

A Beneficencia Portuguesa de Rio Grande, 380 funcionários há mais de seis anos esperando pra receber alguma coisa, Fatima de Cruz Alta, 120 funcionarios esperando e por aí vai. Agora os de Santana do Livramento, 330 estão na corda bamba. tTem uma decisão do juiz dando quinze dias para o governo do estado reabrir o hospital, alguem acha que essa decisão judicial vai ser cumprida ?

Milton Kempfer
Saúde: nossa categoria conhece e a lei e sua ineficácia!

 

Seguirei esta trilha que não é moderna, nem pós-moderna, nem anti-moderna, como explica Latour. Porém tem a virtude de nos reconciliar com os pré-modernos, com os excluídos da economia e da linguagem culta, nossos irmãos em humanidade.

E em relação aos quais carregamos, nós modernos e pos-modernos as culpas pelo abuso e o massacre. E também a arrogância de termos nos achado únicos e fora do jogo da mediação, simultânea e respectivamente.

Saudações aos que buscam nas redes o que nos foi negado no império dos extremos que separaram natureza e sociedade em polos que excluiam as práticas de mediação. Adeus aos que acusaram os pré-modernos de misturarem natureza e sociedade da forma, como agora sabemos, nós jamais deixamos de fazer.

Cada um de "nós" somos também "eles". Sejam os pobres, sejam os elitistas que negam a humanidade ao outro e aos híbridos. Apostando (Eduardo Passos, 2009) nisso, vou sair e usar a regra que mede o "erro" para medir também o "acerto" liberal e desmascarar a ilusão de que não compartilhamos fraternamente nosso destino coletivo.