PREGUIÇA DE LER, POBREZA DE MUNDO? II OU ESTILHAÇOS DE POST

Alliez e Feher (1988) afirmam que o capitalismo de ‘doador de trabalho’ passou a ‘doador de tempo’, ‘dando’ a todos um tempo indiviso, dividido apenas em suas afetações, num regime de escravização em tempo integral. O que não é tempo rentável, na engrenagem do capital escoa como tempo perdido.

Com esta provocação, retomo o fio da meada da já falada “preguiça” ou “falta de tempo para ler” (https://redehumanizasus.net/94294-preguica-de-ler-pobreza-de-mundo), porque lá, no rumo da prosa ou da viagem narrativa que empreendemos nos comentários, fomos pinçando “a maldição da falta de tempo” no contemporâneo, quase naturalizada, certa urgência e excesso de informação levando a um sentimento de desinteresse, que lá, transcodifiquei como tédio, e uma certa tomada de realidade que diz que, apesar dos pesares, há ainda quem goste de ler, bem como a necessidade de diversas e heterogêneas narrativas como constitutiva daquilo que podemos nomear mundo e que, acrescento agora, é tipicamente humano. Só os humanos constroem mundo e, por fazê-lo, não estão presos a um ambiente e nem possuem habitat, necessitando, portanto, ser demiurgo.

Portanto, não é por acaso que começo com Alliez e Feher, pois, de certa forma, é “estilhaços do capital” que minha provocação suscitou naqueles que vencendo “a preguiça e a falta de tempo” se deram ao trabalho de ler e comentar, puxando a prosa.

O tempo em sua concretude de pedra vivida na produção de subjetividade do contemporâneo, um tempo que ousaria chamar de “catracal” porque, tornando-se totalmente produtivo, na captura da vida como mercadoria e produção de mais-valia, é o tempo vivido como consumo e consumado, o tempo sem tempo em que desperdiçamos tempo de vida na escravização em tempo integral. Este tempo indiviso e absoluto, dividido apenas em suas afetações rentáveis, doado pelo capital que não mais oferta trabalho, mas tempo produtivo.

Ora, ler o mundo, mais do que ler livros, é o ponto a que queria chegar e que, sem dúvida a leitura de livros, mas não só esta leitura, nos capacita e forma. Na era da comunicação, quem detém os meios de expressão e a potência de expressar tem em mãos os meios de produção da riqueza, porque o mundo, mais do que nunca, é constituído por práticas discursivas, sábio Foucault! Estamos em tempos de trabalho imaterial elevado a enésima potência e, por isto, a linguagem, a subjetividade e a cooperação tornam-se a máquina biopolítica, grita Negri.

Por isto, não é mesmo a toa que vivemos todos plugados o tempo todo, plugados, mas não conectados. Ao que parece, este excessivo plugamento, tempo dividido em afetações, nos distrai das conexões necessárias para formar redes, mas, ao mesmo tempo, abre uma potência poderosa daquilo mesmo que nos quer privar.

Esbarramos nas redes e, provocação, se não temos “saco” para assuntos sérios e tempo para leituras longas, por outra, temos tempo suficiente para vivermos a vida whatsupianamente.

Vou terminando, na economia de escrita para ser lido, este post parte e partícula, deixando tudo assim meio dito, meio mal dito, a meio do caminho, porque não se trata aqui de dar pronto e muito menos propor como verdade o que se vai narrando, contudo, deixando uma pitada de malagueta, alho e gengibre.

Não é que aquele maldito torneiro mecânico, sem dedo, analfabeto teve a ousadia de roubar o fogo dos céus e, contrariando tudo e todos, se fez e se faz máquina expressiva e um leitor de mundo desconcertante? Só pode ser, “a voz do povo é a voz de Deus”, ladrão. Ladra muito o desgraçado e ousa ser demiurgo, quando devia ser “pau de arara”.

ALLIEZ, Eric & FEHER, Michel. Os estilhaços do capital. In: Contratempo. Trad. Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense, 1988.