A imundície que trouxemos da Europa, travestida de moral judaico cristã, não pudemos esposar. Nossa ligação de dezenas, centenas de milhares de anos com a Ásia nos impediu, felizmente, da plena identidade ocidental.
Não podemos ser íntegros, não podemos ser fleumáticamente lógicos, como os ingleses, nem cartesianos como os franceses. Nossa miséria não é estar aquém da modernidade ocidental. A desgraça é termos almejado isso desde a chegada a esse lugar.
Por sorte, a miscigenação cultural com os africanos, aliada ao que pudemos compor com os povos tradicionais dessa terra, fizeram da identidade nacional um enigma aberto ao devir.
Se pudermos inventar nossa identidade, negando o niilismo europeu; se conseguirmos dar a nós mesmos a criação de uma humanidade que jamais existiu, teremos encontrado uma brasilidade necessária ao mundo.
O espetáculo escatológico da falência da moralidade institucional, compartilhada solidariamente em 17 de abril de 2016, pode ser a oportunidade para substituirmos a hipocrisia pela contemplação honesta do que somos. A aparência que se escancarou e a que permaneceu subjacente às folclóricas justificativas para os votos de nossos representantes foi fiel. Expressou aquilo que é habitual nos passos que damos em nossas vidas.
Cada esfera da vida com suas iniquidades peculiares. A nossa, cotidiana, é a que nos leva a decidir pelo congresso que nos representa. A dos políticos é a de sobreviver no contexto que a história, a cultura e a sociedade lhes lega.
No entanto, em nossas contradições não somos diferentes do mundo moderno e desenvolvido.
Há um patrimônio imenso submerso sob a arrogância com que o ocidental se apropria dos bens de civilização advindos da ciência e da tecnologia. Mas ainda está para ser inventada a sociedade em que os bens surgidos da trágica epopeia da espécie humana, sejam distribuídos de forma equânime…
As guerras que seguiram a primavera árabe são tão burlescas e artificiais como o movimento contra a corrupção no Brasil. Até a areia do deserto, no Oriente Médio, sabe que aquelas são guerras de colonização e domínio para explorar o que resta de ouro negro sob o solo.
Do mesmo modo, o tratamento dado a Dilma e Lula só são diferentes do dado a FHC, Aécio, Cunha e Temer por que os primeiros buscavam a autonomia pela articulação dos BRICS e os demais pretendem a submissão a hegemonia Americana.
Essa é a crise que há. E seu nome é desespero diante da ameaça as sensíveis e sutis condições ambientais que podem sustentar uma civilização e uma espécie humana.
O máximo que podemos almejar é um mundo em que a humanidade não se autodestrua. Qualquer mundo alternativo a esse em que lentamente caminhamos para o suicídio enquanto espécie, não será necessariamente uma utopia de redenção e pura felicidade.
Mas a busca é pela possibilidade.
A luta hoje é pela chance de podermos persistir na existência para passarmos a uma nova fase. Precisamos sobreviver a adolescência como espécie. O roteiro de disruptura da velha ordem se replica em todo o planeta.
No Brasil, a crise econômica e ambiental, está nos levando a guerra civil declarada. Especialmente porque, em meio ao caos social, calcula-se que será certo que busquemos a tutela norte-americana.
No entanto, não será possível que tudo se desenrole como planejado. A incerteza reside na possibilidade de que a crise de representação política se transforme em uma crise da identidade e da linguagem.
Nesse caso poderá ser realista um cenário em que venhamos finalmente a criar uma representação do Brasil, mais de acordo com a herança de milênios legada pelos povos indígenas e africanos que sobrevivem ao genocídio de 500 anos que temos empreendido, diligentemente, mas sem êxito.