Coesão Social e Legitimidade

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A decisão do afastamento de Cunha da presidência da Câmara dos Deputados se deu no alinhamento do STF com a estratégia de retirar Lula, Dilma, o PT e a esquerda do processo eleitoral de 2018. Lula e Dilma por condenação judicial e política respectivamente e a esquerda pela inviabilização eleitoral.

O risco de nulidade dos atos de Cunha, a partir do julgamento do pedido de afastamento que estava represado no supremo há vários meses, levou os ministros do supremo a um alinhamento oportunista e torpe, que mais do que inconstitucional é anti constitucional.

A questão é que a expectativa de uma ordem jurídica (não sua absoluta aplicação) é o que mantém a vigência do Estado Democrático de Direito. Mesmo a despeito de que muitas leis e princípios constitucionais, como o valor do salário mínimo, ou a lei de execuções penais, sejam reiteradamente violadas, há uma ordem institucional vigente.

Por isso o crime organizado é sinônimo de Estado Paralelo. Numa plena vigência da lei e da ordem, não existiria crime organizado. Na plenitude do crime organizado não há Estado, apenas anarquia.

A necessidade da submissão dos jogos de linguagem ao direito constitucional fica evidente se pensarmos o nosso horizonte de perda da coesão social em relação aos Estados falidos do Oriente Médio.

Onde havia escolas, sistemas viários e de transportes, onde existia um sistema de saúde e um sistema de segurança, há agora o Estado Islâmico e uma miríade de senhores da guerra. A Zona Verde no Iraque é a mera garantia do acesso ao poder norte-americano ao petróleo.

O STF está cruzando a linha tênue que separa a expectativa de ordem legal, em favor da generalização das guerras em torno de jogos de linguagem. Nesse caso poderemos entrar num campo em que qualquer forma de mistificação ou racionalização tem potencial para instaurar uma pseudo ordem. Isso seria uma possível definição para o caos que precede os regimes autoritários ou fascistas.

Uma sociedade onde o discurso de Bolsonaro, sob a orientação ultraconservadora, paranóica e obscurantista de Olavo de Carvalho, tem tanta possibilidade de status de verdade, quanto qualquer outro, é tudo que um império em crise precisa para ampliar sua dominação.

As crises políticas degenerando em guerra civil na América Latina são uma oportunidade para os EUA voltarem a impor mais amplamente seus interesses no continente.

Os malabarismos e interesses políticos que estão violando a ordem constitucional, desde o uso da tese do domínio do fato, na ação penal do 470, terão um custo social e histórico. Eles trarão, mais cedo ou mais tarde, efeitos não calculados.

Lula tem um significado histórico e sua chegada ao poder representa um aspecto importante de nosso pacto de coesão social após o período do Regime Militar.

Expurgar esse elemento fundamental do arranjo de poder que permitiu a Nova República, pela condenação judicial, à margem da constituição, através de uma aliança conspiratória que já estava pensada no início da Operacao Lava a Jato, favorece o crescimento do crime organizado, provavelmente com maior capilaridade do que já se verifica no tecido social brasileiro.

O que nos coloca definitivamente na rota da Colômbia e México. Países onde o Estado luta para deixar de ser meramente decorativo, enquanto todas as suas instituições têm profundas ligações com facções do crime organizado.

Nosso tamanho e importância, como reserva de biodiversidade e de fontes energéticas, provavelmente indicam que um desmoronamento das instituições seria seguido de uma situação de guerra civil. O Brasil simplesmente é grande demais para suportar a cronicidade de um processo degenerativo de suas instituições.

A crônica exclusão social e a vigência de ordens paralelas no Brasil são, desde o Império toleradas e controladas. E, muito antes de atingirem densidade para afrontar o poder central, são esmagadas. Porém, porque a união sempre pôde manter níveis mínimos de legitimidade legal.

Com a espetacularização midiática da crise e a reverberação polarizada das narrativas sobre o processo nas redes sociais, essa legitimidade tem sofrido uma rápida corrosão. Isso, associado as intensas modificações na forma e nos tipos de relações sociais, através da introdução da internet no cotidiano da vida dos cidadãos, especialmente, de dispositivos de comunicação de dupla via, indica a possibilidade de rupturas da ordem que não encontrem precedentes similares em nossa história.

O STF está acelerando o passo num rumo que, a despeito de ser muito doloroso, já parece inevitável…

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