Entendo o pensamento da extrema direita como um sintoma. A negação da complexidade, em favor de preconceitos e crenças não examinadas, se configura como uma espécie de degradação da cognição. Uma renúncia patológica ao caráter incerto e imprevisível da realidade.
Como tal, uma visão conservadora, e reacionária do real, não decorre de um erro ou da maldade humana. Expressa o fato de que existe um limite para nossa capacidade de produzir sentido.
Num aspecto, nos tornamos dependentes da existência de um significado para nossas ações. Em decorrência de termos atingido a consciência reflexiva de nossa morte, como sendo uma concretude inescapável, em qualquer futuro possível, nos negamos a viver, a ordenar nossas existências, segundo este fato inegável. Essa dependência é passada de geração em geração. Somos condicionados a reagir de modo paranóico em relação a um dado da percepção que é, simultaneamente, a fonte de nosso saber reflexivo sobre a vida.
Em outro aspecto, não podemos produzir sentido de modo ilimitado. Na medida em que, uma parte das estruturas psíquicas do indivíduo e das estrutura da mentalidade coletiva, das crenças coletivas que assumimos, sem um exame crítico, nos são impostas, uma produção de sentido para a realidade incerta, avança historicamente de modo gradual.
Em outras palavras, produzimos mitos e superstições ao mesmo tempo em que a realidade não cessa de se apresentar a nós em seu “ser como é”. Devido ao nosso apego ao fato de sermos capazes de viver como imaginamos, nos deixamos seduzir até nos tornarmos prisioneiros das crenças que inventamos.
A caverna de Platão não é um lugar no mundo. Ela é uma arquitetura de nossa imaginação, assentada no fundamento de nossas percepções deficitárias em relação ao caráter transfinito da realidade, do mundo fora de nossa mente. Os prisioneiros na alegoria da caverna de Platão são simultaneamente arquitetos, engenheiros, mestres de obras, serventes e os habitantes da caverna.
No mundo, a caverna, e tudo o que há fora dela, são reais. Somente a nossa mente é que pode criar mundos virtuais autônomos em relação ao real. E, de fato, por algum tempo, existimos nesses dois mundos: o real e o da nossa imaginação. Depois morremos.
Já a espécie humana, sobrevive à morte de cada indivíduo. No entanto, ela também deve morrer em algum momento. De fato, pode provocar sua própria extinção na medida em que fantasias e paranoias, mitos e superstições, orientam os modos de vida de suas coletividades.
A humanidade é uma coletividade. Do mesmo modo que um indivíduo pode morrer, se confundir um arbusto com a cauda de um leão por entre a savana, uma espécie pode morrer se não entender a relação entre sua civilização, os gases de efeito estufa de sua indústria e o equilíbrio climático do qual depende sua existência.
Acreditar em mentiras sobre a ciência, sobre o modo de alocar os recursos disponíveis, sobre o caráter incerto e probabilístico de todos os entes que existem, dos seres e objetos do mundo, é um caminho seguro para a autodestruição.
Esses atributos, essas imprecisões, essas distorções sobre a realidade são as características do pensamento conservador, neoliberal, liberal e de extrema direita.
Como isso acomete grande parte do pensamento das populações do planeta, do mesmo modo que a mente de um indivíduo pode colapsar na incapacidade absoluta, podemos diagnosticar o modo de vida da civilização industrial como doentio, patológico.
A questão em aberto reside na possibilidade de fazermos uma auto terapia, se somos, ainda, passíveis de uma cura que adie o fim da civilização e da espécie humana.