Para enfrentar a nova direita temos que entender o âmago de seus pressupostos. Simultaneamente devemos definir onde a esquerda pode avançar adiante da onda do neo-conservadorismo liberal que se espalhou pelo mundo. Acredito que é no centro da argumentação liberal e conservadora que reside sua maior fraqueza. Por isso, é necessário atualizarmos o local do pensamento da esquerda na filosofia e na ciência.
A lógica conservadora e liberal é fundamentalmente aristotélica. Seus princípios de identidade, tal como os da religiosidade judaico cristã, seguem estritamente os critérios da lógica aristotélica. Sem uma concepção teórica sólida ligando os conceitos de verdade e identidade a extrema direita desaba como um castelo de cartas. Em minha opinião a filosofia e a ciência contemporânea estão exatamente nesse caminho de abalar os fundamentos teóricos da nova direita mundial.
Essa é a razão de os extremismos de direita retornarem no modo fascista, para atacar a ciência e a esquerda simultaneamente. De um lado acusações ao feminismo e ao movimento LGBTQ e de outro, teorias da conspiração sobre a terra plana e farsa da ida do homem a lua. Numa frente falam e nova ordem mundial comunista e na outra, condenam a ONU e o uso das vacinas.
O centro dessa argumentação está na crença metafísica na existência da verdade e de sua relação com a integridade da ideia de identidade.
Qualquer episódio de “Black Mirror” é suficiente para nos dar uma evidência da fragilidade da lógica aristotélica e, com isso, de grande parte dos pressupostos liberais e conservadores. A metafísica tradicional baseada no ideal de verdade e identidade vem sendo amplamente superada no mundo em que o método científico está nos fazendo adentrar.
A direita é aristotélica. A esquerda é newtoniana
Entretanto, o Newton aqui é brasileiro. Newton da Costa é um dos mais importantes teóricos dos sistemas lógicos não clássicos. Ele demonstrou que proposições contraditórias não são triviais. Seus trabalhos na área da lógica paraconsistente têm uma ampla gama de aplicações em áreas como matemática, física, engenharia, direito e especialmente em sistemas de processamento de dados com grande impacto no desenvolvimento de inteligências artificiais.
Além disso, outra fator que explica o reconhecimento internacional de Newton da Costa é sua pesquisa na área do conceito de quase verdade que ele elevou ao status de Teoria da Quase Verdade.
Aqui o leitor deve estar percebendo o tamanho do problema dos conservadores e liberais que precisam formular seus pressupostos teóricos em cima das fundações metafísicas da verdade e identidade. A ciência contemporânea avança rapidamente pelos campos da consciência e espiritualidade sem precisar partir de uma metafísica das causas primeiras.
Acredito que a questão da metafísica possa se deslocar do passado, como no caso do fundamento criacionista, e se deslocar para o espaço aberto e amplo do futuro ou mesmo, da atemporalidade. De qualquer modo, o tema da verdade é definitivamente metafísico para Newton da Costa.
O fato é que os argumentos da esquerda atual devem se deslocar do eixo judaico-cristão, inclusive no que diz respeito a influência grego aristotélica, para o pensamento pré-socrático e a filosofia oriental.
Definitivamente as pautas da igualdade, diversidade e bem comum prescindem de noções de religiosidade, como a meritocracia, a lógica da identidade e causas primeiras. A lógica implícita na defesa desses princípios é paraconsistente, não clássica e aberta ao ponto de operar com as noções filosóficas de quase verdade e não trivialidade das contradições.
A guinada internacional para o isolacionismo e fascismo está relacionada ao desespero da nova direita diante da velocidade com que estas mudanças vem acontecendo.
O espírito milenarista e apocalíptico desses tempos é outro indício de que a reação é violenta e perigosa, a ponto de estarmos diante de perspectivas literalmente de fim de mundo na geopolítica das grandes potências.
Por isso, vejo a necessidade de debatermos, teórica e filosoficamente, as diferenças fundamentais entre a esquerda e a chamada nova direita, na arena política e nos espaços públicos como nas ruas, comunidades, escolas, universidades e, especialmente, nas redes sociais onde as hordas da nova direita se concentram.
Marco Antonio Pires de Oliveira
30 de Dezembro de 2017