Vamos pensar a partir de um fenômeno tão universal, quanto particular. Usemos o comportamento sexual como ponto de partida para compreender o lugar dos humanos na cena da vida no planeta Terra.
A sexualidade, enquanto comportamento, precede qualquer forma de consideração sobre causas, razões ou modos de efetivação. Nós nos tornamos conscientes de nós e do mundo bem depois do impulso vital. Desse impulso, dessa força que nos impele a viver, a sexualidade é um mero caso particular. Uma forma ou modo, no vasto contexto de formas de reprodução sexual que uma parte dos seres vivos no planeta usa para expandir e diversificar a vida como fenômeno da realidade.
Podemos, então, considerar que nosso comportamento sexual é uma particularidade dentre uma série de atos programados nos organismos vivos. Esses programas genéticos servem para a manutenção e reprodução da vida.
Todo tipo de consideração moral a respeito das práticas sexuais está relacionado a manutenção de estruturas socioculturais que permitem a existência de cada vez mais seres humanos ao longo da história da civilização. De modo que o desenvolvimento das práticas e usos do corpo para obtenção de prazer tem seguido uma direção de repressão da diversidade, mais ou menos bem sucedida conforme o contexto, em favor da instituição de estruturas sociais como o patriarcado. Podemos em outro momento considerar os efeitos deletérios dessa formação sociocultural. Mas aqui vejamos seu efeito mais geral.
Se analisarmos esse desenvolvimento, no sentido de considerar as crenças coletivas que vão possibilitando a sociabilidade e o aumento do poder humano de se impor sobre o ambiente, podemos perceber uma constância. O que continua a ocorrer, de um estágio para o outro, consiste em aumentar continuamente a população de humanos.
Veremos que o impulso vital ora determina práticas sexuais em comunidades de caçadores coletores e, posteriormente, orienta a criação de narrativas e valores religiosos com o mesmo resultado na escala dos séculos e milênios: aumento do número de humanos a cada gerações, inclusive de modo exponencial a partir das Revoluções Industriais.
Como Schopenhauer e Nietzsche notaram, há um panorama mais amplo e geral em que a vida e a humanidade se mostram como casos particulares. Isso está de acordo com o princípio da simetria das manifestações do real no âmbito das escalas cósmicas e das partículas subatômicas.
Nesse sentido, há determinantes a priori para todos os aspectos que aparentam se descolar do real para constituírem uma espécie de agenda humana no mundo. Parece que tentamos entender o real a partir do surgimento da consciência humana. Mas, evidentemente, a consciência não é um fenômeno dos indivíduos. Ela se constituiu num processo de inter-relações inerentes à espécie humana. Como tal ela não pode explicar a si mesma, exceto no contexto que exige um entendimento dos mecanismos e forças que deram origem a ela.
Estamos vivendo em um período da história que permite nos percebermos como integrantes de um movimento muito mais amplo. Podemos reconhecer como esse processo geobiológico deu origem a forma de vida humana e aos seus modos de vida. Ainda mais precisamente, conseguimos, recentemente, entender como a relação entre as forças envolvidas na formação das estrelas e galáxias está profundamente relacionada à formação dos elementos químicos e, portanto, do panorama mais amplo do qual a vida é um capítulo.
Essa percepção do imenso e do ínfimo (bem como da simetria de suas forças) não implica na vacuidade dos valores que constituímos. É, primordialmente, uma régua, uma medida, para avaliarmos a diversidade de valores sob os quais temos vivido e padecido.
Uma grande parte dos sofrimentos se deve às simetrias absolutas das forças que desencadeiam e governam os processos vitais. O aumento da entropia, a seta incontornável que direciona nossa vivência do tempo, é impassivelmente justa. Ela governa acima de venturas e desventuras. Ordena sob leis invioláveis, tudo que, contextualmente, parece injustiça ou iniquidade.
Existem, ainda, uma outra categoria de sofrimento. São aqueles decorrentes da expectativa humana. Na interpretação da fome insaciável que temos em relação à vida, criamos ilusões de assimetria.
Pensamos a mente individual como a causa ou centro da realidade. Multiplicamos os entes e as forças. Guilherme de Occam explicitou isso na sua proposição de economia dos princípios da realidade. Inventar entidades para explicar a realidade perverte a medida dos valores. Torna confuso e assimétricos os fundamentos da realidade.
Além das considerações do monismo e do dualismo, do realismo ou idealismo, o fato é que as evidências percebidas, mensuráveis e passíveis de cálculo, indicam uma solidariedade entre a nossa existência subjetiva e a concretude do real. Nós existimos do mesmo modo, ou sob as mesmas forças simétricas que agem sob o cosmos.
Assim, a vida como processo nos determina e nos convida a viver. A consciência permite negar ou afirmar, na medida em que nosso conhecimento configura possibilidades de adaptação ao crescimento da complexidade em nós e no universo.
Finalmente, podemos calcular que sob essas regras, leis ou condições universais a simetria é o que permite a diversidade e a liberdade. A humanidade poder dar a si mesma uma inclinação ou outra, no contexto paradoxal da agência sobre nós de forças universais é o mistério da liberdade.
Podemos sim negar ou afirmar a vida. E de alguma forma a totalidade de nosso destino está em acordo com o movimento e a persistência.