A violência é um componente das relações de dominação. Mas, como em qualquer relação, nada é absoluto.
A exterioridade é um artifício do intelecto para a compreensão do mundo. Por seu caráter reflexivo, o intelecto produz uma imagem espelhada do mundo que é ao mesmo tempo irreal e a única realidade que podemos acessar.
Assim, não é automático que o que pensamos sobre os outros permita que eles nos manipulem. Situações de manipulação e controle de uns sobre os outros exigem algum nível, consciente ou inconsciente, de cumplicidade.
No mínimo, relações de controle e manipulação, exigem a coincidência em algum nível de ilusões mútuas. A dialética senhor/ escravo já intuía uma complementaridade nas relações entre identidades opostas.
Até porque não coincide o que pensamos que alguém quer e o que esse alguém, realmente, quer.
Não há relação entre as duas impressões: o que pensamos que queremos e o que os outros pensam sobre isso. Discordamos, em variados graus, sobre o que, de fato, pode nos fazer bem. Se não prestarmos atenção, ficamos aprisionados num jogo de ilusões. Ou pior, podemos pensar que estamos além do jogo de ilusões. Talvez a maior ilusão consista na aposta que os gestos determinam, por si mesmos, o bem e o mal estar.
Pode ser que, independente das nossas ações, as sensações oscilem de forma dinâmica. Não numa relação em que a sensação seja uma resposta correspondente aos gestos específicos. Mas sim, que exista uma interdeterminação entre gestos e sensações. De modo que seja sempre um pouco incerto o resultado de uma ação em relação às sensações que buscamos obter de cada ato.
O que explica isso é o fato de que nosso bem estar não se configura de modo egoísta. Nos sentimos bem quando os outros se sentem bem. Assim, é impossível encontrar em si mesmo uma resposta definitiva para o resultado a ser obtido de nossas ações.
Ao buscar o bem das pessoas próximas de nós, frequentemente nos enganamos. A maneira de realizar o bem dos filhos pode mudar, deixando um pai sem referências na sua infância, para ajudar seu filho no presente, por exemplo. Os meios para realizar o bem podem mudar mais rápido do que aprendemos. O próprio “bem” pode mudar radicalmente mais rápido do que podemos incorporar como novos valores.
Como o outro vai nos interpretar está sujeito a uma dinâmica acelerada ou simplesmente muito diversa para acertarmos com a precisão que nos impomos em relação às ideias de certo e errado, bem ou mal. Ou seja, nossa compreensão é falível.
O preço do conhecimento é estar sempre, em alguma medida, errado. O conhecer não pode ser purificado, em relação a incerteza. Dito de outro modo, a incerteza é mais fundamental que o conhecimento. Ela, a incerteza, é uma condição do conhecimento é não o resíduo da ignorância que deveríamos, finalmente, eliminar.
A “coisa em si” é inacessível. O perceptível é sempre menor do que a totalidade do que se busca observar. Fazemos ideia das coisas. Mas “a coisa em si” é maior do que a ideia que fazemos dela.
Multiplique isso pela singularidade incalculável de cada olhar ou impressão… Não é possível um esquema absoluto para decidir previamente em direção ao bem. Por que o bem e o mal são instáveis até que aconteçam.
É somente depois que já está imobilizado no passado, que dizemos a respeito do que acontece, se foi bom ou ruim. E mesmo sobre isso, a interpretação do que aconteceu, divergimos de incontáveis formas.
O cuidado é uma necessidade decorrente da incerteza. Que a vida possa contar com um roteiro estável como a geografia, em relação a qual podemos desenhar mapas confiáveis é uma ilusão. Na dimensão adequada, mapas não são absolutamente seguros nem em relação ao espaço que mapeiam e menos ainda em relação aos usos que fazemos deles.
A vida é um fluxo incerto que exige cuidado e respeito.