A perspectiva pela qual vemos indivíduos se movimentando num cenário como atores dotados da liberdade para provocar e controlar os acontecimentos não é a real. Como toda a perspectiva é uma parte da realidade, segundo um ponto de vista.
Toda a estrutura social, econômica, política e, propriamente antropológica, em que vivemos atualmente toma como pressuposto essa perspectiva. No entanto, a realidade, no sentido de ser o mundo externo e interno, que é anterior e posterior a nossa existência e capacidade de observar e dar significado a nossas percepções, não corresponde a nenhuma perspectiva. Antes, é algo onde se integram a soma de todas as perspectivas e tudo mais que está fora do espectro de nossas percepções.
O individualismo, o livre arbítrio e o sentido comum dado a palavra liberdade são meras fantasias, ilusões, em que os humanos encontram falsas seguranças.
Não somos, em nenhum sentido pleno, indivíduos. Compartilhamos a condição de organismos, somas complexas de diversidades que tem origem nas profundezas do tempo.
Nossas células carregam a cadeia do DNA que remonta até as primeiras formas de vida da Terra. Seres unicelulares que aprenderam a se replicar acumulando informações a respeito de movimentos intergeracionais de adaptação entre a vida e o ambiente, numa dança de mudanças e mutações que se interdeterminam.
Começamos nossa existência na síntese de células de corpos que se encontram no ato sexual. Literalmente nós mesmos fomos partes de outros seres… Depois fomos um ser dentro de outro ser, indistinguíveis em termos biológicos, do ventre de nossas mães. A partir do nascimento só pudemos nos humanizar através do seio, do colo, do olhar e das palavras que nos foram dirigidas pelo núcleo pequeno de humanos que chamamos de família.
Mesmo na maquinaria social do capitalismo tardio, tecno planetário, a solidariedade que enlaça modos de vida que se percebem como desconectados, narcísicos e egoístas, não podemos beber um copo de água potável, sem o trabalho de incontáveis outros humanos.
Devemos a materialidade da estrutura sócio tecnológica em que vivemos ao trabalho cumulativo e solidariamente passado de geração em geração desde a revolução cognitiva que marcou o início da espécie humana.
Nada, de acordo com as melhores evidências, permite validar a ideologia neoliberal, o ethos do capitalismo ou a ideia de que somos seres que fazem a si mesmos. O célebre mentiroso da literatura “o Barão de Munchausen” ridiculariza essa ideia distorcida de autonomia e liberdade ao contar que ergueu a si mesmo e a seu cavalo do atoleiro puxando-se pelo cabelo.
A humanidade não apenas é um efeito da vida, como tem sua existência condicionada a suas regras e leis. Ou efetuamos nossa potência na afirmação da vida ou nos aliviamos do ônus, ou graça, de existir. Depende do ponto de vista que adotemos.
Por patrinutri
Muito profunda esta sua reflexão sobre a vida e a liberdade. Acredito no coletivo como essência da existência! Somos seres coletivos, não só nas relações sociais em que vivemos, mas como amálgama de uma história e composições corporais. Espero que possamos deixar rastros disso para o futuro em nossa palavras, atitudes e talvez até mesmo em nosso corpos e dna.