O que está errado com a humanidade?
Sou apaixonado pelos meus trabalhos. Há 30 anos sou Técnico em Enfermagem, uma profissão que até meus 19 anos jamais imaginei que iria fazer parte da aventura de minha vida. Já faz 15 anos que sou Professor, esse é um sonho da infância que tenho tido a grata experiência de realizar.
Durante esse tempo, até o início da pandemia/ sindemia de Covid-19 eu compartilhei o desconforto da depressão de domingo a noite, uma sensação de ansiedade angustiante que parece assolar todos que vivem a rotina do trabalho semanal. Além disso, apesar de estar constantemente alegre com meu fazer, sentia uma irritação com o tempo de convivência com colegas e alunos.
Eu compartilhava do sentimento de que tudo o que eu fazia devia terminar o mais rápido possível. Fosse a semana, o semestre, um turno, uma aula… Folgas, feriados, férias e finais de semana pareciam ser urgentes e meus trabalhos, razões e amores da minha vida, precisavam acabar logo.
Ainda que colegas e alunos já tivessem observado meu sorriso e alegria constante, eu não podia deixar de compartilhar com os jovens e adolescentes, de um lado e com os colegas experientes, de outro, a sensação de que algo estava errado. Ser Professor e Técnico em Enfermagem implica em ensinar o conhecimento e lidar com os problemas que decorrem da ignorância respectivamente.
Mesmo que não saber seja próprio da condição humana e adoecer, às vezes, tenha relação com fatores que não podemos controlar, o mais comum é que ignorância e sofrimento estejam encadeados nessa sequência: Por não sabermos ou por ignorarmos o que sabemos é que adoecemos.
Curar-se, do mesmo modo, é o efeito de aplicarmos conhecimento e autoconhecimento num contexto que nos leva a adoecer. De fato, o que sabemos é muito eficiente para evitar e prevenir as doenças de modo melhor do que remediá-las. E eu amo esse elo cognitivo e subjetivo que une as minhas profissões.
Esse paradoxo de querer passar rápido, de forma angustiada e ansiosa pelo que fazemos, me levou a estudar e refletir muito durante esse período anormal da sindemia. Eu queria entender sobre essa sensação de que há algo de errado com a vida capaz de afetar, tanto pessoas jovens quanto pessoas com muita experiência. Como a depressão poderia se impor diante da imensa alegria de viver?
Muitos afirmam que é parte da vida esse impulso reativo de negação. Mas como eu poderia ser alegre e ver tanta alegria de viver e simultaneamente sentir um grande cansaço em relação à própria existência?
São 05:30 da manhã. Saí da cama incomodado por um sonho em que alguém, um amigo desses que em sonho nos parece uma pessoa familiar mas que na verdade é um tipo representante de todos que conhecemos, me falava desse ressentimento difuso com a vida. No início reclamava de mim e depois de outra pessoa. Mas a reclamação era a mesma.
Despertei com uma opinião, uma ideia que teria compartilhado com a pessoa do sonho, mas que me pareceu ser algo a dizer a qualquer um que possa ler o que escrevo:
- Não tem nada de errado com a vida. Ela é a fonte de nossa existência e o que nos empresta a saúde e a potência de existir.
Mas nossa depressão anterior a pandemia, nossa suspeita para com a vida não são um mero erro inocente.
Há sim algo de muito errado, que jovens e adolescentes, e cada vez mais crianças, são capazes de perceber. Algo que grita sufocado no coração de cada adulto que precisa se esforçar para recomeçar a cada segunda feira:
- Nosso modo de vida está errado, está nos condenando, julgando e ameaçando a vida.
É melhor e mesmo urgente que jamais voltemos ao normal de antes da Covid-19. O que podemos fazer nos domingos à noite é nos prepararmos para criar novos modos de vida, mais compatíveis e amigáveis à nossa potência e alegria de existir.
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Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Caro Marco, que post interessante. Nos faz pensar na alienação a que estamos submetidos quando atacamos a vida em nome de ressentimentos que deveriam ser atribuídos a certos modos de viver.