Muito se precisa aprender com quem vive o dia a dia no enfrentamento das barreiras que dificultam o viver em plenitude de direitos e inclusão na nossa sociedade. Por melhor intencionadas que possam ser as interpretações de quem não as vivenciam, sempre haverá margens para julgamentos imprecisos de seus aspectos objetivos e subjetivos. Ocorre que, via de regra, não são concedidas oportunidades para que pessoas diretamente afetadas pela desigualdade se manifestem, mesmo que suas falas tragam elementos esclarecedores de dúvidas sobre como tornar a vida de todos mais prazerosa e integral.
Reconhecemos que os dias atuais não são favoráveis à perda de receita, em especial, na conjuntura das prefeituras que herdaram dívidas, porquanto mais importa garantir que todas as pessoas tenham assegurados seus direitos fundamentais, como acessibilidade e mobilidade urbana. Importante despertar para a realidade de que momentos de crise de financiamento das políticas públicas requerem iniciativas criativas. Nesse contexto, convocar audiência pública para consulta da sociedade acerca de possíveis estratégias minimizadoras dos efeitos segregadores que excluem pessoas com deficiência e mobilidade reduzida do direito de ir e vir nas nossas calçadas, é impreterivelmente inadiável.
Todos temos conhecimento de ente familiar ou pessoa significativa, idoso, com mobilidade reduzida, ou com algum tipo de comprometimento corporal que a caracterize pessoa com deficiência, que sofra calado, e não nos sentimos confortáveis ao vê-las amedrontadas, inseguras, menosprezadas, devido ao meio ambiente que não as acolhe. Nesse sentido, nada mais criativo, democrático e oportuno, que provocar a sociedade para que ela se manifeste a favor de formas consensuais de resolver o problema de manutenção das nossas calçadas, bem como de legitimar e fortalecer os mecanismos de fiscalização das condições de acessibilidade nos estabelecimentos do setor público e privado. Com aval da sociedade, portanto, viés democrático imprescritível, mais fácil a instituição de princípios de igualdade, não obstante nossas diferenças e singularidades humanas.
Que não nos esqueçamos que o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro definiu padrão para nossas calçadas, em expediente exclusivamente reservado ao tema, qual seja, alvenaria linear. Isto para evitar deslizes, escorregões, em pisos de cerâmica, ou quedas ao circular em calçadas pavimentadas com pedras, desníveis, inclusive, degraus. Muro adentro de cada imóvel de uso familiar, o proprietário pode optar pelo que melhor lhe convenha, contudo, quando se trata de ambiente externo e de uso coletivo, há que se guiar pelo que determinou o MP. Simples assim!
Recorro ao inquirido pela jurista Ana Paula Barcellos, na obra “A acessibilidade como instrumento de promoção dos direitos fundamentais”, reiterando que a ajuda benevolente da sociedade dá lugar a um conceito de acessibilidade baseado na sua responsabilidade pela implementação de um conjunto de soluções capazes de integrar toda a variedade de pessoas e de suprir essa falha histórica de acesso. A mudança no paradigma da deficiência que retirou o foco do debate dos traços distintivos associados à deficiência para concentrá-lo nas barreiras sociais existentes para esses indivíduos conduziu à percepção de que o conceito de acessibilidade é muito mais amplo do que o visualizado anteriormente.
Wiliam Machado