ATENÇÃO BÁSICA E O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: INSTITUIÇÕES E DISPOSITIVOS

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Introdução

O objetivo principal deste é discutir a historicidade do termo atenção básica, a institucionalização e a efetividade desse modelo de saúde pública, mas também o processo de humanização do Sistema Único de Saúde, para um desenvolvimento comum e humano nas relações institucionais que atravessam esses dispositivos. Para o cumprimento deste objetivo, foi necessário a retomada da literatura, indispensavelmente, a busca pela Lei 8.080 (Lei do SUS), as diversas conferências quinquenais de 1980 a 2005, a catalogação dos documentos promulgados destas conferências para busca da origem do termo Atenção Básica e/ou Primária, como também artigos científicos para maior entendimento e clareza no discernimento desta escrita.

Desenvolvimento

Para deflagrar essa discussão, faz-se necessário tomar como ponto de partida o Ministério da Saúde, que através da secretaria de Atenção Primária à Saúde abrange o seguinte significado:

´´é o primeiro nível de atenção em saúde e se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde das coletividades.´´

Portanto, para fundamentação histórica, retomo a CF 1988/8.080 – Lei do SUS, na qual;

´´Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o  funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.´´

Como também, ressaltar o Art.146(CF/1988), onde:

´´A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.´´

Os meios institucionais que o Estado Democrático de Direito recorre sobre a criação do Sistema Único de Saúde, defesa de direitos pela Constituição Federal e a aplicação da equidade através da atenção básica, estas são conquistas inestimáveis alcançadas pelo povo brasileiro, tendo em vista o estado calamitoso em que o país se encontrava antes da criação do SUS, com cerca de apenas 30 milhões de contemplados.

A atenção básica toma força internacionalmente como uma estratégia de organização do sistema de saúde, propondo um modelo regionalizado, sistemático e contínuo, para que atendesse a população suprindo suas necessidades locais, buscando a integração de práticas preventivas e curativas, bem como a interação com a comunidade. A partir desta, criou-se o Programa Saúde da Família, que estaria disponível o atendimento aos indivíduos com uma perspectiva interdisciplinar de trabalho, ou seja, médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos, auxiliares e agentes comunitários, aprimorando a participação social em busca de educação em saúde, voltada à prevenção e proteção.

No entanto, apesar de 22 anos de SUS, em 2005 foi a primeira vez que diferiu-se o termo ´´Atenção básica´´ em conferências quinquenais,  quando no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve 4 a recomendação de ampliação da cobertura dos serviços em todos os níveis de complexidade, com ênfase na Atenção Básica, priorizando a estratégia Saúde da Família e outras semelhantes que possibilitem a mudança de orientação do modelo de Saúde e atenção. Como também, o desenvolvimento de incentivos técnicos e financeiros pela União, a fim de estabelecer a implementação da atenção básica com as equipes de saúde da família.

Tal processo de construção de atenção básica se consolida quando em 2010, no segundo mandato de Lula da Silva, cria-se a RAS – Redes de atenção à Saúde, 5 como maneira de atenção primária à saúde, pressupõe que haja a descentralização do sistema de saúde, trabalhando em contextos municipais/regionais para que se possa haver êxito em condições infecto contagiosas, crônicas e causas externas para a obtenção em melhores resultados econômicos, epidemiológicos e integralidade do cuidado em saúde. Baseado nessas considerações, pode-se confirmar a consolidação do princípio de integralidade do SUS,  uma vez que foram  alcançadas diversas localidades e necessidades que cada usuário possui, tendo como fim em si mesmo, driblando as crises locais em seus contextos. Sendo a principal porta de entrada e de comunicação entre os diversos pontos da RAS é a Atenção Básica, constituída de equipe multidisciplinar, responsável pelo atendimento de forma resolutiva da população da área adstrita e pela construção de vínculos positivos e intervenções clínicas e sanitárias efetivas (BRASIL, 2011)

O ponto de partida diante do conjunto de ações estruturadas pelo meio institucional e público é na formatação de um sistema baseado nos princípios metodológicos do SUS, ou seja, articulando conhecimentos e técnicas, promoção, proteção e assistência, a fim de garantir a integralidade do cuidado. A ação da atenção básica é a porta de entrada para o sistema de saúde, inicia-se com o ato de acolher, da escuta, da mão estendida para oferecer ajuda, buscando a redução de danos e sofrimentos,  oferecendo o cuidado e o afeto, garantindo a integralidade.

Com o lançamento da Portaria MS/GM no . 2.488, de 21 de outubro de 2011, que revisava as diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para a ESF e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) (BRASIL, 2011) possibilitou a adequação com as necessidades emergentes do momento, visando um projeto pedagógico de saúde coletiva. Tal processo, dinâmico e contínuo,  leva em conta a construção do conhecimento, da consciência crítica-reflexiva e de compromisso pessoal e profissional, exigindo dos trabalhadores, gestores e usuários tomadas de decisão que criem condições para o estabelecimento de mudanças que superem os nós críticos existentes, por meio de experiências inovadoras na gestão do cuidado e dos serviços de saúde com o objetivo de transformar a realidade (BRASIL, 2011).

Como discutido anteriormente, a interdisciplinaridade é um dos princípios da atenção básica, mas enfrenta o muro que é do trabalho em equipe. 7 Tal função não se basta em si mesma, e um aprofundamento é necessário para que cada um se reconheça e reconheça também a atividade do outro e não se perca de vista o trabalho compartilhado. A Estratégia Saúde da Família (ESF) utiliza-se de um corpo técnico vasto, uma vez que as demandas da população são multifacetadas, participam: enfermeiros, médicos, agentes comunitários de saúde, técnicos e auxiliares de enfermagem, cirurgião-dentista, técnico e auxiliar em saúde bucal. Essas relações muitas vezes são conflituosas, mas podem ser superadas com a construção de um projeto comum, assim dispostos em ouvir e considerar as experiências uns dos outros, possibilitando que a comunicação seja a principal ferramenta para estancar conflitos.

Os problemas acometidos por um país tão grande, continental e plural como o Brasil, faz com que as necessidades populacionais sejam imensas. Desde as demandas da globalização que possibilitam a maior difusão de doenças epidemiológicas, como também os agravos à saúde mental, violência urbana, pobreza e extrema pobreza, fome e uso abusivo de drogas. Essa realidade tão dura e perversa exige um olhar multifacetado, que é garantido pelo Estado Democrático de Direito, mas não é exercido pelas instituições – especialmente no contexto neoliberal que habitamos. Dentro desse escopo foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF, compostos por profissionais de diferentes áreas de conhecimento que atuam de maneira integrada com as Equipes de Saúde da Família, com as equipes de Atenção Básica para populações específicas e com o Programa Academia da Saúde, sendo o objetivo deste último a implantação de polos para a orientação de práticas corporais e atividade física e de lazer e modos de vida saudável (BRASIL, 2011) como também os Centros de Atenção Psicossocial, que atende as demandas da saúde mental.

Portanto, 8 a importância da ação multiprofissional e da articulação intersetorial, já que a atenção primária possui inevitavelmente essa vocação de “porta de entrada” não apenas para a rede de serviços de saúde, mas para uma multiplicidade de outras demandas sociais, que acabam por se traduzir em demandas de saúde ou simplesmente aí, se apresentam pela ausência de outros espaços sociais de expressão. À luz deste, necessita-se de um processo humanizante nas relações de saúde pública-coletiva, seja nas relações servidor-paciente ou servidor-servidor; aqui chamo de conceito-sintoma o idealismo apostado nessa relação. O Dr Drauzio Varella nos propôs um reencantamento do concreto, o SUS que deu certo. Isto posto, entender que não existe um homem ideal, onde deve-se trabalhar como atores sociais e seres concretos, arquitetando e praticando ações locais, após superar esse conceito-sintoma ideal, poder-se-ia assim efetivar a prática da atenção básica.

9  Na qualificação do SUS, a humanização não pode ser entendida como apenas mais um Programa a ser aplicado aos diversos serviços de saúde, mas como uma política que opere transversalmente em toda a rede SUS.  A transversalidade esmiuçada por Guattari, intra e intergrupos nos serviços e nas camadas desse sistema como possibilidade de diferenciação e invenção, que coloca o sujeito como ator principal da produção de sua realidade. Isto é, não há mudanças feitas isoladamente, mas sim em comunhão com o servidor/es – paciente/s. Como aumentar a capacidade ou simplesmente profissionalizar a saúde? Como possibilitar o entendimento, a compreensão, as demandas da comunidade?

Aqui falo de linguagem. Somos seres de linguagens e comunicações, isto é fato! Mas as relações antecedem a linguagem, antes do falar, existe o acolher e cumprimentar. A construção de uma atenção básica é a construção de redes de afeto, 10 é a própria produção de redes sociais, de comunidades, de formas de vida -biopoder-  de produção de subjetividades – individuais e coletivas –  e de sociabilidade (Hardt, 1998). O que deve-se, portanto, é questionar se 11 dessas redes, em seu trabalho afetivo, têm promovido os melhores encontros, se elas têm promovido a formação da “multidão”, isto é, a própria constituição do estado civil como o melhor regime para a realização de nossa potência. Se um determinado dispositivo institucional (um serviço de atenção primária à saúde) capacita, habilita, instrumentaliza mental e afetivamente os indivíduos de uma determinada população (usuária deste serviço), de tal forma a ampliar sua capacidade de se pôr em relação, isto é, sua capacidade de interação, de formação de comunidade, de aumento de sua potência e de singularização existencial.

Por fim, deve-se buscar a potencialização de vitalidades, aprimorando nossas relações, propondo a transversalidade, humanizando o diálogo e compreender que todo mundo sabe alguma coisa, que a arte do bate-papo e a arte da produção de saúde, é o amar. Se um diploma de ciências médicas faz com que o médico seja melhor que um técnico de enfermagem, este indivíduo não entendeu nada sobre saúde. Aqui traço meus riscos finais contrapondo a ideia de o ´´Homem é lobo do homem´´ de Hobbes,  pois segundo Maturana, o amor é o fundamento emocional não apenas da linguagem, mas do social: “sem aceitação do outro na convivência não há fenômeno social”. Portanto, exercer saúde básica, antes de tudo, é promover amor, afeto, entrega, desejo, carinho e empatia. Antes da linguagem, da relação, existe o amar, ou como Maturana afirma:

Distintas emoções especificam distintos domínios de ações. Portanto, comunidades humanas fundadas em outras emoções distintas do amor estarão constituídas em outros domínios de ações que não serão os da colaboração e do compartilhar em coordenações de ações que implicam aceitação do outro como um legítimo outro na convivência e não serão comunidades sociais (Maturana, 1997).

 

Víctor Severino Ribeiro, aluno do 2p de Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) Divinópolis/2021

Disciplina de História da Saúde, docente Guilherme Gonzaga Duarte Providello

REFERÊNCIAS

1- https://antigo.saude.gov.br/sistema-unico-de-saude

2- Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Lei n. 8.080/90

3- Constituição Federal de 1988/ Art.146

4;5;6;7 – Especialização em saúde da família,A Estratégia Saúde da Família na Atenção Básica do SUS ; Unid. 4  2011, Ministério da Saúde.

8- FIGUEIREDO, Elisabeth Niglio de, A Estratégia Saúde da Família na Atenção Básica do SUS; Unid. 5  2011, Ministério da Saúde.

9- Benevides, Regina e Passos, Eduardo Humanização na saúde: um novo modismo?. Interface – Comunicação, Saúde, Educação [online]. 2005, v. 9, n. 17

10;11- Teixeira, Ricardo Rodrigues Humanização e Atenção Primária à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2005, v. 10, n. 3

Demais materiais utilizados:

12- Matta, Gustavo Corrêa, and Márcia Valéria Guimarães Morosini. “Atenção primária à saúde.” Dicionário da educação profissional em saúde 2 (2009): 44-50.

13- Tofani, Luís Fernando Nogueira et al. Caos, organização e criatividade: revisão integrativa sobre as Redes de Atenção à Saúde. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2021, v. 26, n. 10

14- SCLIAR, Moacyr. O nascimento da Saúde Pública. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 21, n. 2, p. 87-88, 1988.

15- Gil, Célia Regina Rodrigues Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2006, v. 22, n. 6 [Acessado 18 Novembro 2021] , pp. 1171-1181.

16- Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/NOB-SUS 93. Brasília: Ministério da Saúde; 1993.

17- Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde/NOB-SUS 96. Brasília: Ministério da Saúde; 1997.

18-  Ministério da Saúde. Regionalização da assistência à saúde: Norma Operacional da Assistência à Saúde, 2002. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.

19- Referências sobre Atenção Primária, Atenção Básica e Saúde da Família presentes nos relatórios finais das Conferências Nacionais de Saúde, 1980 a 2005.

20- Bodstein, Regina. “Atenção básica na agenda da saúde.” Ciência & Saúde Coletiva 7 (2002): 401-412.

21- Figueiredo, Elisabeth Niglio de. “A estratégia de saúde da família na atenção básica do SUS.” (2012).

22-  Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, n.204, p.55, 24 out. 2011. Seção 1, pt1.