A tecnologia digital, através da introdução de um novo tipo de comunicação: a linguagem binária, está transformando a vida biológica num tipo de extensão ou componente dos sistemas cognitivos em rede. A linguagem binária é uma criação do intelecto humano, como tantas outras. Sua peculiaridade reside na abertura para a comunicação entre artefatos – coisas ou objetos – capazes de transmitir dados sobre o meio para outras máquinas dotadas de sistemas de armazenamento e processamento de dados.
No contexto dessa transformação tecnológica se estabelece um valor de troca para a vida, ou seja, o viver se tornou uma espécie de mercadoria. Uma indicação desse fenômeno se expressa na luta por curtidas no ambiente das redes sociais: o que fazemos circula em textos, imagens e vídeos numa espécie de mercado de valor da experiência existencial.
Esse incentivo na produção e difusão de informações sobre si mesmo, para obter uma espécie de validação existencial, na forma de curtidas, envolvimento ou visibilidade, nos leva a ceder gratuitamente as informações que produzimos no ato de viver nossa vida. Essa informação entregue em troca de nossa expectativa de agregar valor a nossa existência vai gerar riqueza para aqueles que detém os bancos de dados e a capacidade de processamento da informação.
Assim, uma vez que toda a atividade humana gera informação para armazenamento em gigantescos bancos de dados, temos a criação de uma fonte de recursos. Não significa que esse recurso venha a destituir os antigos, como os minérios e as fontes de energia, e sim que uma nova forma de produção de valor se soma as que conhecemos.
O trabalho remunerado diz respeito a oito horas de um total de 24 horas de produção de valor, se considerarmos que sonhos e pesadelos podem ser reelaborados como fontes de produção de sentido ou conteúdo. Estamos de fato sempre trabalhando ou então deveremos encontrar outro nome para definir a produção.
Porque quando em horário “livre”, nos divertindo ou fazendo compras, estamos mais propriamente consumindo, produzindo e compartilhando informações. Seja usando o cartão de crédito ou gerando “conteúdo” para as redes sociais, nunca o bios cognitivo humano deixa de estar produzindo mercadoria, valor de troca e de consumo, mesmo que sua própria vida esteja sendo mercantilizada.
O processamento desse manancial de dados que se acumula continuamente pode ser comparado a mineração. Dela se pode extrair predições para o direcionamento do comportamento dos indivíduos e das massas humanas. Essa é uma das razões para se dizer que o dado está se tornando o ativo mais importante desse novo tipo de capitalismo.
Como esse processo de (in)discernimento entre trabalho, descanso ou recreação é disruptivo, a sociedade inteira vive uma espécie de esquizofrenia coletiva. Deleuze e Guattari foram precisos em seus diagnósticos das transformações do capitalismo global.
De certo modo, no momento, somos todos esquizofrênicos tentando tratar nossa esquizofrenia. A grande questão é se a melhor alternativa não seria aprender a sobreviver a essa condição, para então, superá-la.
Afinal, o que não nos destruir irá nos fortalecer.
Por Sérgio Aragaki
Marco:
Como sempre, boas reflexões, boas cutucadas, bons incômodos.
Aquela velha questão: as máquinas nos servem ou nós somos delas servos? Talvez ambas as coisas. E cada vez mais servis, nessa sociedade desenfreada do consumo, da superexploração, da negação do humano.
E por isso resistimos e reexistimos. Continuamos na Luta. Luta pela diminuição de iniquidades. Luta pela vida.
Abraço