Comunicação de Risco em Saúde Única: Estratégias Integradas para a Gestão de Crises e Emergências
Por Luís Felipe Sardenberg* (OPAS/OMS) e Gustavo Buss** (RSU/FIOCRUZ).
A comunicação de risco desempenha um papel crucial na gestão de crises e emergências, contribuindo diretamente para mitigar o impacto de surtos, pandemias, desastres naturais e outras ameaças à saúde. No contexto da Saúde Única, que integra a saúde humana, animal e ambiental, a comunicação de risco adquire uma dimensão ainda mais relevante. Um exemplo disso é o cenário ocorrido após as chuvas intensas que afetaram o estado do Rio Grande do Sul, entre abril e maio deste ano. Ao longo de todo o período, foi necessária a disseminação de mensagens por diversos entes, com orientações sobre os cuidados necessários de saúde em áreas inundadas – como prevenir doenças causadas por alimentos contaminados, mordidas de cobra, afogamentos e choque elétrico –, bem como itens essenciais para ter em mãos no caso de uma evacuação, a exemplo de medicamentos, produtos de higiene pessoal e documentos.
Fora do contexto de crises como essa, a comunicação de risco também ajuda as pessoas a entenderem como as mudanças climáticas são capazes de agravar a propagação de vírus, afetar a produção agrícola, comprometer a segurança hídrica e até levar animais à extinção, criando um ciclo de vulnerabilidades que só podem ser superadas por meio de uma resposta coordenada e integrada. Dessa forma, a comunicação de risco em Saúde Única pode promover a maior aceitação das políticas de saúde pública, facilitar a resposta imediata a crises e contribuir para a prevenção de futuras emergências de saúde, por meio de uma abordagem holística, colaborativa e participativa para a gestão de riscos em saúde.
Comunicação de Risco: Conceitos e Fundamentos
A comunicação de risco é um processo de troca em tempo real de informações, orientações e opiniões entre especialistas ou autoridades e pessoas que enfrentam uma ameaça à sua sobrevivência, saúde ou bem-estar econômico ou social. O objetivo é que todos em risco sejam capazes de tomar decisões informadas para mitigar os efeitos da ameaça e tomar medidas de proteção e prevenção. Na comunicação de risco, é preciso compreender as percepções, preocupações e crenças das partes interessadas, das pessoas envolvidas, bem como seus conhecimentos e práticas. Para que esse processo seja eficaz, é necessário atentar para alguns elementos fundamentais. O primeiro deles é a transparência, que implica fornecer informações claras, completas e acessíveis sobre os riscos, as medidas de mitigação e as incertezas envolvidas. Outro princípio essencial é a confiança. Quem transmite a mensagem, seja uma pessoa ou organização, impacta na percepção e, por isso, as comunicações devem buscar a construção da confiança e a manutenção ou fortalecimento da credibilidade. A participação pública também desempenha um papel crucial. O engajamento ativo das comunidades e indivíduos permite que suas preocupações e opiniões sejam ouvidas e consideradas, promovendo um senso de pertencimento e responsabilidade compartilhada e aumentando a adesão às medidas de mitigação de risco. Além disso, a inclusão de perspectivas diversas – com o enfoque de Saúde Única – pode enriquecer a compreensão dos riscos e das melhores estratégias de comunicação. Em cenários de crise, a comunicação de risco é essencial também para combater a desinformação, monitorar a percepção de risco e fornecer informações precisas sobre o risco real da ameaça em questão, de modo a fortalecer a resiliência comunitária e promover comportamentos saudáveis.
Saúde Única e Comunicação de Risco
A abordagem de Saúde Única envolve uma perspectiva holística que reconhece a interconexão entre a saúde de humanos, animais e do meio ambiente. Por isso, a comunicação de risco dentro do contexto de Saúde Única requer uma colaboração multissetorial robusta. Os desafios enfrentados na perspectiva de Saúde Única precisam ser comunicados de maneira clara e acessível, educando o público sobre a importância da conservação dos ecossistemas e das práticas sustentáveis. Por exemplo, campanhas podem enfatizar a importância de evitar o desmatamento e a destruição de habitats naturais como forma de prevenir o surgimento de novas zoonoses. Outro aspecto essencial é o cuidado com o uso de imagens, porque elas podem despertar emoções e influir na tomada de decisão da pessoa – por exemplo, vacinar-se ou não contra COVID-19; aceitar ou rejeitar a vacinação de aves contra a influenza aviária, entre outros. Nesse contexto, é fundamental favorecer coberturas fotográficas da mídia para documentar o trabalho dos profissionais de saúde vacinadores em ambientes reais. Isso ajuda a evitar que se usem fotos e vídeos disponibilizados por bancos de imagens que não têm compromisso com a precisão técnica, por exemplo, ao mostrar grandes seringas cheias de líquidos de cores diferentes ou fluorescentes, que são irreais. Outra medida recomendável é investir em um banco de imagens próprio da instituição, que demonstre práticas adequadas de vacinação e, sempre que possível, mostre exatamente qual a aparência dos diferentes tipos de sintomas das doenças ou reações. É fundamental atentar ainda para a comunicação não-verbal ao tratar de temas relacionados à Saúde Única. Uma das principais lições aprendidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e seus Estados-Membros após surtos de ebola ocorridos na década de 2010 em diferentes países da África foi a importância da linguagem corporal. Uma recomendação aos trabalhadores de saúde da ponta é abster-se de usar o Equipamento de Proteção Individual (EPI) completo ao chegar pela primeira vez em uma comunidade, exceto durante intervenções com um paciente ou para descontaminação. Isso porque experiências de campo mostraram que pode ser mais difícil estabelecer confiança com pacientes e/ou familiares nessa situação. Além disso, ao usar EPI, é importante identificar-se verbal ou visualmente para o paciente e familiares – por exemplo, declarando o nome, usando um crachá com a foto. Essa troca de informações com a comunidade é indispensável, assim como sua participação nas ações para se proteger de ameaças à saúde.
Nesse sentido, há diversas práticas para tornar as pessoas mais protagonistas do próprio cuidado por meio do engajamento e da comunicação comunitária. Por exemplo, com o uso de caixas de som em postes ou megafones nas mãos de pessoas que disseminam mensagens pela vizinhança e, com isso, obtêm feedback em tempo real. Outros exemplos são a organização de rodas de conversa, apresentações em cerimônias religiosas ou culturais; troca de informações em grupos ou listas de transmissão de aplicativos; fixação de cartazes e faixas nas ruas; uso de rádios comunitárias, carros e motos de som. São situações na qual o emissor da mensagem com frequência lida com as mesmas dúvidas, incertezas e experiências do receptor. Dessa forma, pode identificar as necessidades de informação e transmiti-las com maior clareza e credibilidade, falando da experiência pessoal com palavras do cotidiano da sua comunidade e garantindo, assim, maior vínculo com as mensagens de proteção e promoção da saúde.
Desafios e Oportunidades
A saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental estão interconectadas. Por exemplo, a forma como a terra é utilizada pode influenciar o número de casos de malária. Fenômenos naturais e mudanças climáticas podem aumentar a temperatura do planeta, facilitando o crescimento e a proliferação rápida de mosquitos, o que deixa as pessoas mais expostas a picadas e, consequentemente, à infecção por arboviroses como dengue, chikungunya e zika. O comércio de animais selvagens vivos também pode ampliar a probabilidade de doenças infecciosas se espalharem para as pessoas (cruzamento de barreira de espécie). Nesse contexto, a comunicação de risco tem um papel chave. Por sua natureza transversal, é capaz de disseminar informações vitais relacionadas aos três setores, de forma concisa e contextualizada. Para isso, é necessária uma estratégia de comunicação para Saúde Única que envolva também uma abordagem de “uma só voz”, na qual os tomadores de decisão e profissionais dos setores de saúde humana, animal e ambiental – incluindo porta-vozes treinados e designados – estejam coordenados para garantir consistência, precisão e alinhamento das comunicações oficiais. Também é importante ter profissionais especializados e capacitados em comunicação de risco, capazes de traduzir o conhecimento científico para uma linguagem acessível, esclarecer dúvidas legítimas das pessoas e preencher os vazios de informação com conteúdo baseado na ciência. Esse ponto depende ainda de orçamento sustentado, tanto nas fases de preparação quanto nas de resposta a emergências e desastres. Em crises anteriores, já ficou demonstrado que a falta de financiamento ou a dependência de financiamento repentino de curto prazo e de última hora prejudicam o desenvolvimento de atividades de comunicação de risco. Além disso, planejamento, treinamentos e simulações são indispensáveis para preparar indivíduos e equipes a utilizarem sistemas de comunicação de emergência de maneira eficiente, assegurando que todos saibam como agir e se comunicar em situações de crise.
Conclusão
A comunicação de risco em Saúde Única deve ser compreendida como um processo dinâmico e colaborativo, envolvendo diversos atores sociais e instituições, como trabalhadores de saúde, especialistas em meio ambiente, veterinários, gestores públicos e as comunidades afetadas. É imperativo que haja um esforço contínuo de pesquisa e aprimoramento das práticas de comunicação e isso inclui o desenvolvimento de novos modelos e recursos que possam ser adaptados às diferentes fases da gestão de riscos e desastres, desde a prevenção até a resposta e recuperação. Somente com uma abordagem integrada e participativa, baseada em informações de qualidade e guiada por preceitos éticos, será possível garantir a proteção e o cuidado da saúde de forma eficaz e sustentável.
Bibliografia
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*Luís Felipe Sardenberg, jornalista, mestre em narrativa transmídia e gamificação, especialista em relações internacionais e diplomáticas, é oficial de comunicação em saúde e gestão da infodemia na Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e na Organização Mundial da Saúde (OMS). Atua na área de comunicação de risco desde 2015 e coordena a equipe de comunicação do escritório da OPAS e da OMS no Brasil.
**Gustavo Buss, jornalista e sanitarista, doutor em comunicação, especialista em saúde global e diplomacia da saúde, atua no campo da comunicação em saúde desde 2014, assessor técnico para a Rede Saúde Única, ações em rede da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) no Rio Grande do Sul e membro do Comitê Executivo do Sustainable Health Equity Movement (SHEM), movimento global pela sustentabilidade e equidade na saúde.
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