Contradição: negação ou afirmação?
Temos como princípios de nosso modo de vida duas leis que não conseguimos sintetizar numa única perspectiva. Essa contradição entre impulsos diferentes gera uma tensão que expressa a força que sustenta nossas relações sociais. A contradição, de fato, é inerente ao princípio vital, mas diferente do que entendemos em nossa perspectiva essa contradição é afirmativa. Já a contradição, que engendramos ao longo da história, é um tipo de culto à impotência e à morte. Contradições podem estar em equilíbrio dinâmico e sustentar, nessa tensão, uma estabilidade. A vida faz isso em sua relação dinâmica com a morte.
A vida de cada um e a vida da espécie parecem estar em um perpétuo conflito, mas de fato não estão. O bem comum é essencial para o bem pessoal. Situações que degeneram em dor e sofrimento não existem isoladamente em cada um de nós. A dor de uns se dispersa na direção dos outros de modo que estados de alegria não podem se sustentar isoladamente.
Além disso, grande parte do sofrimento humano decorre da consciência da morte e da confusão entre a tristeza e a finitude. A transitoriedade dos fenômenos e processos não é triste, nem alegre. Antes é uma condição para ambas. Nesse sentido, não é a tristeza o signo de uma negação da vida, mas a negação da vida que pode ser tomada como uma força a serviço da produção massiva de uma vida triste.
Nesse caso, o delírio de um bem eminentemente pessoal, desacoplado do bem comum, do bem e da vida da espécie, se configura como uma superação da dicotomia da tensão que une, na vida plena, a totalidade do fluxo de sensações alegres e tristes. Para idealmente superar a consciência da morte e da transitoriedade, da existência como passagem, nós abraçamos a tristeza de buscar e esperar uma miragem: a vida sem tristeza, sem passagem, sem movimento, o bem individual como superação da condição vital, sem a qual a espécie não pode persistir na existência.
O capitalismo, com sua divinização do indivíduo, expressa esse ressentimento para com a vida. A transformação do dinheiro numa forma autônoma – que submete todas as esferas da ação humana – degenera na guerra de todos contra todos. Aqui o paradoxo é o caminho para o colapso, para a escatologia de um final como apocalipse, como revelação.
Seja na hecatombe de uma guerra nuclear, seja na destruição do ambiente, tudo se combina para a ativa destruição da vida e de sua potência de se adaptar e reproduzir. Chegamos ao absurdo de agredir a reprodução da vida e seu imemorial movimento, para celebrar a reprodução e o movimento do capital.
Essa contradição entre princípios de potência e impotência da vida, esse impulso de negação, depende de uma corrupção do consenso linguístico que permite a comunicação. É preciso significar o bom como o ruim e vice-verça.
As palavras precisam ser inoculadas com uma falsa tensão. Uma tensão que, em lugar de afirmar a vida – como no caso da sucessão dinâmica entre alegria e tristeza – deve se tornar a falsa dicotomia entre o bem comum e o bem individual.
Para negar a complementaridade entre vida e morte, sua dinâmica produtora e indutora da vida, no interior do fluxo do tempo, produzimos uma existência rebaixada onde a consciência da morte é tratada com um delírio. Esse delírio consiste na ilusão de que há uma possibilidade de superação da tristeza como superação da morte.
Nossa tristeza e impotência, portanto, não decorre de uma suposta incompletude ou fraqueza inerente à vida. Estamos tristes por cultuar a tristeza numa renúncia à plenitude representada pela vida como fato central de nossa existência consciente.