Cuidados Paliativos em Hospital geral – Relato de experiência de Londrina-PR

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Atualmente, há um aumento do número de idosos na população e que crescerá de forma importante nas próximas décadas, e a OMS também estima um crescimento das causas de morte por doenças crônicas como as neoplasias, as doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, as doenças pulmonares crônicas, entre outras. Estas condições já são as principais causas de morte no Paraná e implicam em um prolongado período de progressão e causam a deterioração da qualidade de vida dos pacientes muito antes da ocorrência do óbito, com necessidade de cuidados continuados e de cuidadores para as tarefas do dia-a-dia.

Estas condições já impactam frequentemente nos atendimentos oferecidos pelos hospitais gerais do estado, tanto em número de atendimentos quanto na complexidade destes casos. A ocorrência do óbito em ambiente hospitalar é uma condição predominante na sociedade atual, visto a necessidade do suporte técnico e profissional aplicados para os casos em que o paciente se encontra no limiar da vida. Este fato, acrescido ao aumento da longevidade humana e da transição epidemiológica, requer um aumento constante dos custos em saúde, aumento de leitos hospitalares, de unidades de tratamento intensivo (UTI) e do número de profissionais para atender esta demanda

Em especial para aqueles com doenças incuráveis, surgem diversos conflitos sobre as condutas a serem tomadas nas fases finais de vida. E, frequentemente, adota-se o padrão de uso de recursos intensivos como a intubação endotraqueal, reanimação cardiopulmonar, uso de drogas vasoativas, exames invasivos, entre outros, mas sem o retorno proporcional da qualidade de vida e que ainda causam desconfortos e sofrimentos em busca de uma cura que não é possível. Além disso, frequentemente há casos que ocorrem sem a adequada abordagem do paciente e familiares, com oferta de informação acessível e transparente a estes, disponibilidade de comunicação aberta e condizente com os desejos dos mesmos.

Frequentemente os serviços de saúde, em especial os hospitais, ainda tratam as agudizações das doenças crônicas como episódios isolados, com repetição de exames diagnósticos, tratamento fragmentado e sem planejamento para o cuidado nas fases avançadas. No entanto, nestes casos, a ocorrência de óbito é uma progressão inevitável, com o uso ou não de medidas intensivas, e pode ser prevista com antecedência em muitos casos. Por isso, os serviços de saúde devem promover o planejamento para o período próximo ao fim da vida de forma precoce, em busca de uma morte com menos dor, menos sofrimento e suporte adequado à família.

Para atender esta demanda, o suporte em Cuidados Paliativos (CP) é recomendado para manter ou melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças sem possibilidade de tratamento curativo, e que enfrentam problemas relacionados ao sofrimento físico, psíquico, social e espiritual. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define CP como: “… assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”.

Estudos indicam que o último ano de vida é o período com maiores gastos com saúde. A disponibilidade de Cuidados Paliativos (CP) no sistema de saúde pode favorecer a otimização dos gastos em saúde, ao:

I) evitar a hospitalização nas fases mais avançadas, incluindo a possibilidade de óbito domiciliar com assistência adequada;

II) reduzir a demanda de medidas intensivas (como a necessidade de UTIs), evitando o uso de procedimentos desconfortáveis ou que visem somente prolongar o tempo de sobrevida (geralmente em poucos dias ou semanas) sem uma qualidade de vida satisfatória, ou mesmo indesejável pelos pacientes e familiares.

Apesar da atenção nas fases mais avançadas das doenças ainda ser alocada no ambiente hospitalares, ainda há limitação para a aplicação de CP nos sistema público de saúde, em especial nos hospitais gerais de média e alta complexidade. E, apesar de ser uma área de atuação relativamente nova no sistema de saúde brasileiro, já é aplicada sistematicamente em diversos países, alguns desde a década de 60, e é recomendada pela OMS e por diversas organizações internacionais. No âmbito internacional, em 2013, um conjunto de organizações internacionais liderado pela Associação Internacional de Hospice e Cuidados Paliativos (IAHPC), pela Aliança Mundial de Cuidados Paliativos (WPCA) e pelo Observatório de Direitos Humanos (HRW) iniciaram uma ação conjunta para promoverem o acesso aos cuidados paliativos como um direito humano universal.

Segundo o Atlas Global de Cuidados Paliativos no Fim da Vida, elaborado pela WPCA em conjunto com a OMS, o Brasil situa-se numa posição intermediária em relação ao acesso aos CP. Numa escala de 1 (sem atividades identificadas) a 4 (abordagem integral no sistema de saúde), o país está classificado com nível 3a, ou seja, oferece ações isoladas e serviços limitados de CP, possui uma entidade nacional representativa do tema que é a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), mas sem integração entre os diversos níveis de atenção à saúde. Em comparação com outros países da região, como Argentina (3b), Chile e Uruguai (4a), estes oferecem acesso ao CP de forma mais integrada em seu sistema de saúde, particularmente estes últimos.

Assim, pode parecer paradoxal, mas, se bem aplicado, os Cuidados Paliativos além de reduzir custos, tem sido associado à melhor assistência destes pacientes, com menos conflitos entre profissionais de saúde e familiares e melhor controle de sintomas físicos e psicológicos dos pacientes com doenças incuráveis.

No Paraná, a grande maioria dos óbitos ocorre nos hospitais e esta tendência foi crescente nos últimos anos. Enquanto, entre os anos de 2000 a 2015 o número de mortes no estado aumentou 20,7%, o número de mortes em hospitais teve um aumento de 27,3%, e passou de 34.113 mortes, em 2000, para 46.920, em 2015. Neste mesmo período o número de morte em domicílio permaneceu praticamente estável, com média de 15.046 mortes por ano. O número de mortes em outros estabelecimentos de saúde teve um aumento importante de 81,0%, neste período, apesar de corresponder por menos de 5% do total de mortes. Uma possível explicação para este fato pode ser o maior acesso a instituições de longa permanência.

Legislação e documentos norteadores

Em relação às políticas públicas, a inserção da abordagem em Cuidados Paliativos ainda é frequentemente limitada à atenção oncológica, inicialmente como a Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 19/2002, que instituiu o Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, posteriormente complementado pela Portaria Nº 2.439/2005, que instituiu a Política Nacional de Atenção Oncológica, e que indicou a necessidade de integrar os diversos níveis de atenção, incluindo os Cuidados Paliativos. Recentemente, a Portaria Nº 874/2013 instituiu a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no âmbito do SUS.

As Portarias MS Nº 963/2013 e Nº 1.208/2013 regulamentam o sistema de atenção domiciliar no âmbito do SUS, na Rede de Atenção às Urgências, e definem a inclusão do suporte em CP no domicílio dos pacientes atendidos pelo programa de atenção domiciliar.

Em 2014, a OMS aprovou na 67ª Assembléia Geral a resolução “Fortalecimento dos cuidados paliativos com um componente do tratamento integrado pelo curso de vida” (WHO, 2014). Que reforça a necessidade incluir o planejamento dos temas relacionados ao avançar da idade, e especificamente ao fim da vida. Neste documento especifica-se a necessidade de ações em Saúde Pública como: a) integração dos serviços de CP na estrutura e financiamento do sistema de saúde, com ênfase na atenção primária; b) fortalecimento e expansão dos recursos humanos nesta área, incluindo educação e treinamento profissional; c) assegurar a disponibilidade de medicamentos para o controle de sintomas, particularmente para o acesso a opióides para dor e sintomas respiratórios e; d) políticas de pesquisa para identificar necessidades e modelos de serviços viáveis para cada realidade.

Relato da experiência

Inicialmente, em 2014, por iniciativa própria dos profissionais do hospital, e com o apoio da direção deste serviço, estabeleceu-se a formação de uma Comissão de CP multiprofissional, e os membros tinham experiências e familiaridade variada sobre o tema. Esta comissão foi definida como uma equipe consultiva e autônoma, formada por profissionais da instituição, mas que, eventualmente, poderia ter membros externos e voluntários para o apoio de suas atividades.A partir de reuniões e discussões entre os membros da comissão, definiu-se um modelo de protocolo para a implantação de um setor no hospital específico para o atendimento em CP.

Os objetivos estabelecidos para as atividades desta comissão foram:

-Oferecer suporte adicional para as questões físicas, psíquicas, sociais e espirituais no cuidado de pacientes em fase avançada e sem possibilidade de cura que forem internados na instituição;

– Sensibilizar, divulgar e informar sobre necessidade e possibilidades da inserção dos CP no atendimento destes pacientes;

– Orientar e intervir no processo de cuidado dos pacientes a fim de oferecer suporte para as questões relacionadas às suas diretrizes de vida e planejamento para a ocorrência do óbito;

– Promover treinamento e capacitação para a equipe de CP e para os demais profissionais da instituição para oferecer CP de qualidade.

Também foram realizadas adaptações na rotina hospitalar, para viabilizar a implantação do serviço em CP, com alterações nas rotinas administrativas e do cuidado, como: a reserva de uma enfermaria específica de cinco leitos para os atendimentos em CP; flexibilização no horário de visita de familiares, conforme a possibilidade do serviço; orientações para a abordagem dos pacientes e familiares por todos os funcionários envolvidos no cuidado, incluindo profissionais da copa e limpeza; reforço na prevenção de complicações e avaliação de sintomas dolorosos e psicossociais; ampliação do tempo de conversa com o médico do setor; disponibilidade para atender requisições particulares para o conforto do paciente; organização de um suporte para a espiritualidade com a participação de profissionais de capelania e voluntários; e favorecer a comunicação, incluindo os aspectos de preparo para um possível óbito, em curto ou médio prazo.

Ainda que a iniciativa esteja em fase inicial, observou-se aceitação desta forma de abordagem pelos familiares, considerando que a maioria dos pacientes apresentava síndromes demenciais ou redução do nível de consciência. A implantação do serviço tem o potencial de reduzir os conflitos associados às ocorrências de óbito na instituição, por oferecer um maior tempo disponível para a comunicação ativa com os pacientes e cuidadores, incentivar a tomada de decisão compartilhada (entre profissional e usuários) sobre as condutas adotadas e, assim, favorecer na avaliação positiva da qualidade do serviço oferecido a estes pacientes.

Nos casos atendidos neste serviço, mesmo com a evolução para o óbito busca-se priorizar o conforto físico, com atenção aos sintomas de dor, falta de ar, entre outros, sem adoção de medidas invasivas ou de prolongamento artificial da vida, e favorecendo uma morte natural. Estas condutas são tomadas em concordância com o consentimento familiar e com princípios legais e éticos recomendados, como a ortotanásia. Os acompanhamentos são realizados pelos próprios funcionários e utilizou-se a estrutura disponível na instituição, ou seja, não demandou altos custos para a implantação, mas principalmente dedicação e treinamento. Como consequência, estes casos, mesmo que complexos, não geram a demanda por regulação de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo ou de outros serviços terciários, que são ações custosas para o sistema de saúde.

REFERÊNCIA:

MARCUCCI FCI et al. Implantação de uma Unidade de Cuidados Paliativos num hospital de média complexidade de Londrina – PR: relato de experiência. ESPAÇO PARA A SAÚDE – REVISTA DE SAÚDE PÚBLICA DO PARANÁ; 2017; 18(1): 196-203. DOI 10.5433/15177130-2017v18n1p196