Ao contrário do que se pensa, abandonar o modo de vida capitalista não é uma desruptura antinatural. O mais comum na história da espécie humana é uma variação constante nos modos de vida no sentido de permitir a adaptação e a persistência da vida.
O encontro é essencial. Das interações entre a diversidade, a vida se favorece para produzir suas incontáveis formas e modos.
A manutenção do capitalismo, após seu esgotamento, como forma revolucionária para a superação da modernidade é que consiste num empreendimento disruptivo e necrófago. Um modo de vida que esgotou sua potência de criar é autodestrutivo.
Ou aceitamos sua degeneração e criamos algo novo para que ele possa desaparecer, ou perecemos com esse modo de vida autodestrutivo. Isto é o que a história da vida nos ensina. O planeta não é acolhedor com modos de vida engessados em ambientes cambiantes.
A questão é que o conforto do hábito é imenso. Dele decorre a ideia persistente, mas não absoluta, de que a experiência tem um sentido. No entanto, viver é fluir do estado do hábito para o da invenção.
Para a maioria dos animais, superar o hábito é um empreendimento de aliviar a dor através de uma experimentação constante que atua como um hábito entre os outros. A aleatoriedade dessa busca por persistir na existência, parece dar curso a processos adaptativos que, ao longo de gerações, fazem as espécies se diversificarem.
Há na mudança um equilíbrio entre a dor de um hábito e o alívio que a inovação produz, quando gera a sobrevivência. Nesse sentido, tudo que não é destrutivo, acaba por despertar uma potência que se efetiva como alternativa à morte.
Para os humanos o conforto do hábito e a potência da mudança implica numa ampliação do sentir ou perceber o mundo. A consciência produz uma noção de si, exponencialmente mais complexa do que a dos animais. Nós criamos intrincadas ideias e conceitos que narram a realidade em termos de significados.
A consciência do mundo e de si mesmo, como resultado da vivência do fluxo dos instantes, gera uma narrativa compartilhada que aplaca a angústia de estar consciente, mas desconhecer os mecanismos, o modo do funcionamento, da realidade da qual estamos cientes.
Então, podemos ir destilando, ao longo das gerações, uma cultura que amplia o modo de perceber o mundo, através do encontro de uma variação das visões de mundo. Esse choque de subjetividades se torna mais complexo. As ideias influenciam a consciência e o pensamento vai ampliando nosso campo de realidade.
Essa manipulação de conceitos dá à espécie humana um imenso poder de interferir com as demais formas de vida e com o ambiente. Com grandes poderes vêm grandes consequências, parodiando o “tio Ben”.
Nós somos, depois das cianobactérias, a primeira espécie capaz de causar a própria extinção. Com uma diferença marcante: Estamos culturalmente cada vez mais conscientes disso. Ou seja, podemos vir a cometer um suicídio, para além de nos destruímos como efeito de um erro de cálculo.
Como isso é possível?
Porque sabemos um pouco. Mas não tudo. Nós somos capazes de usar um oráculo que nos diz algo sobre o futuro. Esse oráculo se manifesta como a capacidade, estritamente lógica, de deduzir e a capacidade de inferir ou conhecer pela indução. A primeira decorre do raciocínio lógico e matemático. A segunda, é um efeito do hábito.
Na escala de tempo da nossa vida – e da narrativa que criamos para explicar a realidade – tendemos intuitivamente a esperar que uma frequência de eventos se mantenha. O horror é pensar na ruína como uma frequência. A alegria consiste em acreditar que a boaventura, como uma frequência, se mantenha.
No entanto, esse oráculo, ainda que extremamente útil, não levanta o véu que oculta de nossa percepção o futuro. Não sabemos, nunca, o que vai acontecer.
Essa incerteza está fortemente intrincada no tecido do real. É um princípio do universo, segundo as evidências que podemos calcular.
Do mesmo modo, há razões para inferir que a certeza sobre o destino também é, concomitantemente, a incerteza inerente ao funcionamento das partículas elementares que compõem os átomos. A incerteza é uma espécie de certeza instalada no âmago do que chamamos de realidade.
O universo é, como aparece para nós, como um efeito necessário das relações entre seus componentes. Causa e efeito não estão sendo narradas na direção de um resultado. Eles integram o espaço-tempo e não se desenrolam em um palco neutro.
A existência tem um sentido. Ela é um todo racionalizável. Assim, como a lei da conservação da energia ou a do aumento da entropia existem para nós e para as abelhas, ainda que pareça que as abelhas não saibam disso.
Ou seja, o fato de que não tenhamos certeza, não implica que a noção de incerteza seja uma necessidade do real. Pode ser que tudo seja aleatoriamente constituído e, em termos filosóficos, existam tantos universos quanto possibilidades.
Devemos, então, aceitar as evidências como o melhor possível a orientar nossa concepção da realidade. O que certamente implica em medir com mais precisão os riscos a que estamos submetidos. Assim, talvez, ainda possamos evitar a frustração da potência que ainda podemos efetuar como espécie.
As mudanças climáticas já são inevitáveis. Elas são efeitos da sociedade industrial e do capitalismo. Nossa interferência no equilíbrio energético do planeta foi tão rápida quanto intensa. A resposta do ambiente será igualmente radical.
No entanto, sem o que virá, não poderíamos criar o modo de vida que irá substituir o capitalismo. A questão é se ainda temos tempo, enquanto espécie, para evitarmos a extinção.