Eu, a terapia ocupacional e o SUS que dá certo

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Entre os anos de 2021 e 2023 escrevi minha dissertação de mestrado, junto a tantas mulheres, gratidão Teresinha! Antes mesmo de começá-la, já havia feito outra pesquisa e intervenção com trabalhadoras, na Residência em Saúde da Família, gratidão Jacqueline, Hozana e Neidinha. Antes mesmo disto, ainda estive em uma ocupação urbana, a Manuel Congo, pesquisando e intervindo sem tentar interver, mas meu corpo, olhos e ouvidos atentos estavam presentes, não tinha como alguém dizer que eu não estava lá. Me lembro da Maria e da sua mãe e de tantas mulheres que hergueram Manuel Congo, que habitam e constroem. Gratidão Fábio, Neli e Geruza. Antes mesmo disto eu vivia em Itabira, ainda sem casa, mas com tantos sonhos. Me disseram pra eu ir e ser a melhor e eu fui. Um coração ferido dessas dores que a gente acha que é amor, partiu comigo de lá para o Rio de Janeiro. Causas, sentidos, direções, autopreservação, riscos, aventuras, liberdade foram dando contornos pra história com o SUS que eu começava a construir a partir do lugar de estudante de terapia ocupacional. O SUS que dá certo está comigo desde então. Muita potência foi vista e vivida. Consciente, inconsciente e, também, pelos lugares por onde andei e habitei, socialmente as mulheres estavam presentes e em maior quantidade de quem social, cultural e historicamente definimos como homem. Mulher gorda com foto na pilastra do IFRJ, mulher gay e grupo de mulheres feministas, mulher professora, mulher do partido, mulher no projeto de extensão, eu, mulher-mulheres. O SUS que dá certo continuava comigo. Manifestações, ocupações, “o canecão é nosso”, patê de maionese com sardinha pela primeira vez, mangueirão noturno, aprender sobre reparação histórica, sobre cotas raciais sim, sobre invasão e dominação, não sobre descobrimento. Encontros com homens e mulheres gentis, pacientes, que agradeço tanto. Defino homens e mulheres porque ainda não discutíamos sobre gênero. Nosso papo estava em sermos antirracistas, feministas, antihomofóbicos. Marcos, obrigada; Juliana, obrigada; Ketruin, obrigada; Morgana, obrigada. Quando eu falo pras pessoas que fazer faculdade pra mim é mais do que um diploma, eu falo um pouco sobre o que escrevi aqui. Claro que, ao conhecer a Humanização em Saúde, gratidão profs. Ana Barbosa e Paula Gaudenzi, eu fui alinhando os fazeres-saberes e saberes-fazeres e ampliando os sentidos de me tornar terapeuta ocupacional, trabalhadora com corpo político-ético-estético-afetivo que assume com propriedade o simples e complexo de estar junto e compartilhar mundos possíveis, vislumbrar projetos reais e vivê-los por experimentar os riscos. Apesar de política que nasceu para ser transcendental, ops, digo também transversal no SUS, a PNH estava presente nas minhas relações de corpo presente para um mundo mais digno, em que a saúde estava pouco como a principal atração com este nome, mas aparecia sempre com produção de vida e subjetividades, de pessoas. Na luta por moradia, não dessas do Minha Casa, Minha Vida, mas dessas que se transgride a lei para conquistá-la, como na Ocupação Manuel Congo que assume que direito não é mercadoria; na luta pela educação pública, pelos 10% do PIB, não desta que categoriza pessoas por biológicas, humanas ou exatas, mas da que vislumbro inclusiva e dialogando com as crianças e adolescentes, corresponsabilizando-os e sendo responsável por um ecossitema que escuta, que vê, que sente, porque é um a partir da diversidade dos muitos ali; na luta pela mulher que protagoniza a própria vida, que tem uma rede protetiva, que tem creche para deixar as crianças, que tem direito ao aborto protegido e descriminalizado, que faz seu plano de parto porque é ela quem dá a vida, que pare, único portal pra T(t)erra,  que anda a noite na rua sem medo, que tem salário igual ao do homem ao seu lado que está na mesma função. O SUS que dá certo no que vejo, no que quero, no que faço. Mais recentemente nessa dissertação, saindo do forno, feita com tanto amor, que é construção, que não foi fácil, mas que nasceu. Dias de luta e dias de glória. O SUS que dá certo está documentada nela. Obrigada SUSão!