Indústria de substitutos do leite materno viola lei e patrocina profissionais de saúde no Brasil
Por Bel Levy (Observa Infância/Lis/Icict/Fiocruz)
Sete em cada 10 pediatras recebem patrocínio da indústria de substitutos do leite materno durante eventos científicos. Entre nutricionistas, essa proporção é de 2 a cada 5 e entre fonoaudiólogos, 1 a cada 3.
Entre profissionais de saúde que participam de eventos custeados pela indústria de substitutos do leite materno, 1 de cada 3 pediatras recebe patrocínio para refeições ou festas e quase metade deles foi presenteado com materiais de escritório, como canetas, calendários e bloquinhos.
Essas práticas são vedadas pela Lei 11.265/2006, que promove e protege o aleitamento materno no Brasil. De acordo com a lei, fabricantes e distribuidores de fórmulas infantis, fórmulas para crianças de primeira infância, leites, alimentos de transição e produtos de puericultura correlatos não podem conceder patrocínios financeiros ou materiais a pessoas físicas. O Decreto 9.579/2018, que regulamenta a lei, define patrocínio como o custeio de materiais, pesquisas, eventos ou custeio de profissionais de saúde para participação em atividades.
Os dados são do estudo Multi NBCAL, um inquérito multicêntrico com entrevistas a 217 profissionais de saúde em hospitais com maternidade de 6 cidades brasileiras: Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Ouro Preto (MG), Florianópolis (SC), João Pessoa (PB) e Brasília (DF). As entrevistas foram realizadas entre 2018 e 2019.
O Multi NBCAL foi financiado pelo CNPq e pelo Ministério da Saúde. O estudo contou com a participação de 16 pesquisadores de 10 instituições acadêmicas brasileiras (Fiocruz, UFPA, UFMG, ISS/SP, USP, UNB, UFPB, UFSC, Uerj e UFF) em parceria com a Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN-Brasil).
Os resultados completos estão disponíveis no artigo Assédio da indústria de alimentos infantis a profissionais de saúde em eventos científicos, publicado pelo coordenador do Observa Infância, Cristiano Boccolini, em co-autoria com Ana Carla da Cunha Velasco e Maria Inês Couto de Oliveira.
Desde 1988, o Brasil regula a propaganda e a comercialização de substitutos do leite materno. Inspirada no Código Internacional dos Substitutos do Leite Materno (OMS/Unicef), de 1981, a Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL) se transformou ao longo dos anos e virou a Lei 11.265, de 2006. É responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) supervisionar e penalizar as empresas que infringem a NBCAL.
Apesar da trajetória de mais de três décadas na promoção e proteção do aleitamento materno no Brasil, 1 de cada 3 profissionais da saúde de hospitais privados com serviços de maternidade não conhece a NBCAL. Em hospitais públicos Amigos da Criança, essa proporção cai para 1 a cada 6 profissionais da saúde que não conhecem a norma que protege e promove a amamentação no Brasil.