Com persistência e dedicação, olho e compreendo, ao longo da vida, a complexidade da existência. Nesse processo a realidade me parece múltipla, complementar, acelerada e, paradoxalmente, auto evidente e simples. Porém quando tento descrevê-la ela volta a ficar densa e difícil de entender.
Uma mente não pode iluminar outra.
Nenhuma experiência de si mesmo é passiva ao ponto de receber a luz de modo inerte como a projeção de uma imagem sobre uma tela. A percepção do real é o efeito intensivo de uma busca ativa de cada experiência singular que caracteriza um si mesmo.
Esse é um aspecto do ser – a experiência ativa de sentir o entorno de si e o si mesmo simultaneamente. Na potência simultânea de perceber a si mesmo agindo, e pensar essa ação, desenvolvemos as técnicas que caracterizam a humanidade. O uso do polegar opositor e dos satélites artificiais estão interligados como a expressão de 300 mil anos de evolução humana. Mas somos muito jovens na escala da história da vida. A variação contínua da composição das espécies vivas, em interação constante com os seres e o ambiente, tem pelo menos, 4 bilhões de anos.
Quando uma célula realiza a potência de existir e reproduzir a si mesma, ela atua nessa perspectiva – de si mesma. No entanto, para nós ela não é de modo singular. É apenas a parte determinada de uma coletividade.
Pensamos que a célula e a bactéria não possuem singularidade, nem identidade. Para nós, elas são partes determinadas em relação ao todo orgânico do qual fazem parte.
Criamos a ficção do livre arbítrio para, desesperadamente, nos distinguir de tudo que é incerto e determinado por variações estatísticas. Mas o fato é que variamos e não há variação que não seja estatística.
Por isso, nós somos seres estatísticos do ponto de vista da máquina mundo. Nossos movimentos ativos são livres na medida em que o resultado de nossas ações criam a realidade no limiar da incerteza que separa o aqui e agora do futuro.
Mas como comunidade, sociedade e civilização, nossa existência está para o organismo terra, como a célula e a bactéria para o organismo humano. Não há uma perspectiva verdadeira. Na perspectiva que optamos por pensar a realidade, qualquer uma das versões estará certa.
A harmonia não implica na ausência de contradições. Harmônico é tudo o que acolhe em si mesmo os extremos contraditórios que se solidarizam na tecido da realidade.