A segurança pode facilmente ser confundida com nossa adesão a algum protocolo, modalidade ou script de ação. Porém, sempre que alguma forma algorítmica ou tradicional encontra a nossa disposição em nos submetermos, nossa existência é colocada em perigo. O preço da ilusão de vencermos a incerteza é a renúncia à nossa potência de criação.
Mesmo a escolha ou a tomada de decisão, que parecem expressar uma liberdade de ação, podem ser totalmente esvaziadas da noção de liberdade. Vamos a uma analogia que é central: Se são as regras de mercado que ditam os meus passos, eu não posso nada além de aplicar tais regras a priori. Embora esteja aparentando que eu sou o próprio animal livre, estou na realidade executando um algoritmo de comportamento.
Eu posso jamais repetir um gesto, mas toda a minha ação é gerada externamente através do algoritmo. Ainda que eu tenha tomado a programação, como uma expressão de minha individualidade livre e os meus gestos como efeitos da minha vontade, eu sou absolutamente controlado.
O preço de ser livre implica em aceitar a incerteza inerente a toda realidade. No longo prazo, métodos tradicionais, inclusive protocolos de segurança, estão determinados a falhar, dado que as condições gerais mudam em diferentes intensidades e velocidades e o que funcionou alguma vez, vai falhar em muitas outras oportunidades.
Algumas espécies têm sido bem sucedidas em sobreviver neste planeta por centenas de milhões de anos. Essas são a exceção. A maioria dos seres vivos que existiram na Terra estão extintos. Eles só permaneceram aqui, enquanto puderam se adaptar a condições cambiantes e incertas. Para os seres humanos, mais do que para as demais espécies, viver é se reinventar, ser livre é criar.
Não podemos ser livres nos submetendo a protocolos e algoritmos. Não há nada de errado intrinsecamente com protocolos, modos de fazer ou algoritmos. Eles são e sempre serão ferramentas úteis. O perigo consiste no fato absurdo de estarmos nos colocando a serviço de nossas ferramentas. Alguém que reduz sua existência a execução de um algoritmo de acumulação de riqueza, está se humilhando na condição de ser um objeto daquilo que não passa de uma ferramenta, de um meio para um fim.
A riqueza, na forma do capital, nas sociedades industriais, por exemplo, poderia ter surgido como um modo, como uma forma, de a vida humana se expandir e prosperar. O que ocorreu foi outra coisa: A existência de trilionários que vivem para acumular riqueza, demonstra uma forma social em que a norma é a vida servir uma criação humana. E o evidente é que nossas criações devem servir a nossa vida e a qualidade ou sentido, que precisamos instituir, para nossa existências.
Dizer que o capitalismo converteu a sociedade industrial numa forma e num modo ressentido de existir, implica em assumir a covardia que está nos fazendo abrir mão da potência de criar as condições e os valores da nossa existência em troca de um simulacro de segurança.