Morte e Vida Severina e a Humanização

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O presente texto é resultado de um texto subjetivo sobre a Política Nacional de Humanização (PNH) realizado por mim como estudante da pós Humanização na saúde: Narrativas do adoecimento, do sofrimento e as possibilidades de cuidado, da UNIFESP. A escrita do texto foi solicitada no módulo A Política Nacional de Humanização do SUS (PNH-SUS).

 

O meu nome é Severino,

não tenho outro de pia.

Como há muitos Severinos,

que é santo de romaria,

deram então de me chamar

Severino de Maria;

como há muitos Severinos

com mães chamadas Maria,

fiquei sendo o da Maria

do finado Zacarias.

(João Cabral de Melo Neto. Morte e Vida Severina, 1955).

 

Severino, homem nordestino e retirante que vive no sertão de Pernambuco. Severino segue em retirada em busca de melhores condições de vida longe das dificuldades provenientes do sertão. O sertanejo busca constantemente a vida – uma vida digna onde possa trabalhar, ter saúde e alimentar-se – porém encontra-se muitas vezes com a morte de outros Severinos nordestinos como ele.

O retirante Severino não tem acesso a direitos básicos, como a saúde. Flerta constantemente com sua morte e a morte de outros Severinos nos caminhos que percorre. Apesar de ser um homem aparentemente invisível pelas Políticas Públicas governamentais, Severino inicia sua trajetória apresentando-se pelo seu nome e distinguindo-se de outros Severinos.

A história do personagem é interessante para dialogarmos sobre a Política Nacional de Humanização (PNH). O que difere Severino de tantos outros Severinos é a sua história de vida, que para este Severino é uma história de vida sofrida, vida Severina. Para ter acesso a tantas histórias Severinas – aquelas “severas” e “duras”, – é necessário acolher, escutar e dialogar com o indivíduo em sua particularidade. Acolher, escutar e dialogar são pontos fundamentais para proporcionar um atendimento humanizado em saúde.

Os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) têm histórias parecidas com a de Severino; histórias de lutas, de vulnerabilidades sociais e de uma busca constante pela vida que se materializa quando procuram os serviços de saúde para curar suas dores e seus sofrimentos. Os percursos dos usuários do SUS são parecidos com os de Severino ao enfrentarem as dificuldades como filas para marcação de consultas, falta de medicamentos e falta de profissionais nos serviços; situações essas que são acompanhadas pelas condições sociais e econômicas vulneráveis e precarizadas.

Diante dessas dificuldades que os usuários do SUS enfrentam diariamente (e que lutamos para que essas dificuldades não aconteçam mais)  é fundamental que sejam bem acolhidos e que suas demandas de saúde sejam supridas. A humanização do profissional da saúde para acolher cada história é necessária para que esse usuário se vincule e se sinta bem.

Na relação de acolhimento que se produz na intersubjetividade, outro sujeito a ser considerado é o trabalhador da saúde, que traz sua história de vida, suas dores, seu cansaço físico e psíquico. Tal qual Severino, o trabalhador do SUS também tem um nome e uma vida Severina.

A valorização do trabalhador é ponto fundamental para a PNH, uma vez que para realizar um atendimento humanizado o profissional da saúde precisa estar bem. Uma gestão que acolha o trabalhador, que proporcione espaços de escuta e dê melhores condições de trabalho, possibilita que o profissional realize suas atividades diárias de forma plena.

Severino nos aponta que nas relações que se cruzam entre usuários, trabalhadores da saúde e gestores cada ator tem um nome e uma história, e que todos precisam ser acolhidos e escutados. A produção da saúde deve levar em conta os diferentes atores, e permear-se por tecnologias leves de cuidado. Um cuidado baseado na tríplice inclusão favorece uma saúde onde todos são valorizados em suas particularidades, produzindo uma saúde que vai além de técnicas de intervenções rígidas e duras, e de um modelo de atuação unicamente curativo.

 

Por Franklin de Oliveira Lima