Entrevista com o coordenador da Política Nacional de Humanização, sobre o Plano de Qualificação das Maternidades

14 votos

O Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais da Amazônia Legal e Nordeste possui ações que englobam diversas áreas técnicas do Ministério da Saúde. Conheça o ponto de vista do  coordenador da Política Nacional de Humanização, Dr. Dário Pasche, a respeito das iniciativas para mudar os modos de cuidado e atenção à gestante nesses locais.

1) Quais as contribuições da PNH para o Plano de Qualificação das Maternidades e Redes Perinatais?

A PNH está à frente do Plano – junto com várias áreas técnicas do MS – desde a sua elaboração, assumindo papel protagonista na construção das linhas gerais de ação, bem como na inclusão de acompanhamento avaliativo, sobre o que a PNH tem se dedicado com bastante afinco. Entre as contribuições diretas da PNH ao Plano podemos destacar: (1) participação na cocoordenação do plano; (2) inclusão do conceito-ferramenta “apoio institucional”, principal mecanismo de exercício do método da humanização, definido como método da inclusão; (3) inclusão dos dispositivos da PNH como eixo estruturante do plano, que disparam e sustentam a experimentação de uma série de inovações na gestão e no cuidado; (4) indicação de supervisores para o trabalho de apoiadores, os quais compõem a grupo de consultores da PNH e, por fim, (5) a inclusão do Plano de Qualificação na rede de suporte da PNH em todos os estados, constituída por apoiadores da PNH e vários coletivos que se organizaram nestas cidades em torno da humanização das práticas de gestão e de cuidado.

Além destes pontos, é importante destacar que as ações do plano conformam uma importante direção para a sistematização de um modelo de atenção humanizado ao parto e nascimento, o qual tem por um de suas referências o método e princípios da PNH, como a inclusão dos usuários e das famílias na gestão do cuidado; defesa da autonomia da mulher no parto e nascimento; organização da ambiência que favorece o parto normal e a privacidade da mulher; mobilização de trabalhadores e gestores para a reorganização de processos de trabalho, entre outros. Além disto, o parto humanizado se baseia em boas práticas na atenção ao parto, ou seja, um modelo de parto humanizado baseado em evidências científicas. Não tenho dúvidas que a experiência acumulada no desenvolvimento deste Plano nos ajudará no enfrentamento do desafio de humanização o parto e o nascimento no SUS.

2) Quais expectativas de continuidade destas ações?

O Ministério da Saúde tem avaliado o Plano como uma experiência muito importante e um diferencial na implementação de políticas públicas de saúde, pois convoca todos os atores envolvidos, nas três esferas de governo, na produção de movimentos para “fazer acontecer” as mudanças necessárias. O fio condutor desta postura e compromisso é o apoiador, figura e função-chave, que ajuda no cotidiano das equipes no enfrentamento de situações de trabalho cotidiano que são bastante complexas. Diante disto, se decidiu que para o ano de 2011 haverá a continuidade das ações e para tanto estamos em um processo de acompanhamento avaliativo, que nos permitirá avaliar – juntos com trabalhadores e equipes dirigentes – os rumos desta continuidade.

O plano tem três eixos que são referência para a manutenção das atividades de apoio nas maternidades. Eles se referem às diretrizes da cogestão (modelo de gestão mais participativo e democrático); acolhimento (inclusão da maternidade em uma rede de cuidado perinatal e acolhimento com classificação de risco) e direito a acompanhante (que inclui a diretriz da ambiência). Acolher estes eixos significa que as maternidades incluídas em 2011 assumem o compromisso que se empenharão no aprofundamento e qualificação de ações, garantindo que estas diretrizes se convertam, de fato, em realidade nas maternidades.

Ainda no segundo semestre as supervisoras realizarão oficinas de avaliação com as direções de todas as maternidades e na 1ª quinzena de dezembro faremos uma oficina de avaliação geral do Plano, processos que nos ajudarão nas definições e plano de trabalho para 2011. De outra parte estas ações (e mesmo outras) podem ser a incluídas qualquer tempo nas agendas de trabalho de qualquer maternidade brasileira, que então não precisam esperar pela ampliação do plano, que hoje atinge maternidades na Amazônia Legal e Nordeste brasileiros.

 

3) Por que foram selecionadas diretrizes/dispositivos da PNH como “carro-chefe” da qualificação das maternidades e redes perinatais?

As três diretrizes/dispositivos (cogestão, acolhimento e direito ao acompanhante) deflagram ações organizativas, ou seja, são de fato carro-chefe para a introdução de uma série de inovações na gestão e no cuidado, bem como para a inclusão (e reforço) de estratégias importantes para a qualificação da atenção à mulher e à criança como, por exemplo, o Método Canguru. Na perspectiva da PNH, as mudanças ganham sustentabilidade se se transformarem em diretriz de gestão, ou seja, é necessário que se traduzam em novos pactos internos, que sustentam novos processos de trabalho. Nesta mesma direção, estas mudanças se enraízam como uma nova cultura se produzidas de forma coletiva, ou seja, se deixam de ser da vontade (ou capacidade de mando) de ‘um’ para se transformarem em um projeto coletivo. A isto denominamos de cogestão, experimentada na prática por dispositivos (trabalho real), como por exemplo Colegiados de Gestão, Equipes de Referência, etc.

Assim, a cogestão é uma aposta muito importante para o Plano, pois reformula certo modo tradicional de se organizar as maternidades (e os hospitais), saindo de modelos hierarquizados que  fragmentam processos de trabalho, para arquiteturas que favorecem um maior e mais intenso processo de trocas entre as pessoas. De outra parte, o acolhimento é uma diretriz essencialmente ética. Significa na prática assumir como pressuposto da ação que toda demanda que chega aos serviços deveria ser acatada como legítima, pois esta atitude é que funda o contrato ético entre trabalhadores da saúde (e suas instituições) e a população (e um usuário). Acolher, no entanto não se restringe a uma ‘atitude acolhedora’, que deve ser transformada em prática de saúde, em processo de trabalho. Nesta perspectiva, temos acionado duas direções no Plano: a necessidade de acolhimento da gestante em rede, ou seja, a necessidade de se organizar redes cuidadoras, que acolham e protejam esta mulher em todo o sistema de saúde, do pré-natal ao parto.

 Isto exige a organização de redes de conversação sistêmicas, que garantem, por exemplo, o exercício prático de uma orientação ética de que nenhuma mulher ou criança recém-nascida peregrina entre serviços. Além disto, outra direção adotada é a inclusão em todas as maternidades do acolhimento com classificação de risco, pois a atitude de acolher as mulheres nas maternidades, deve necessariamente resolver com eficácia e em tempo oportuno os problemas desta mulher em conformidade com as exigências clínicas e subjetivas que o caso impõe. Assim, não bastaria acolher educadamente esta mulher e deixá-la esperando: é necessário incluir a partir do  acolhimento com  classificação de risco, que exige reorganização dos processos de trabalho, redefindo-se competências e responsabilidades. Por fim, o direito ao acompanhante, que é a garantia de direito de cidadania (compartilhamento na rede sócio-familiar) e, ao mesmo tempo, um recurso terapêutico estratégico, pois este acompanhante pode ser conquistado para um melhor cuidado da mulher e da criança.

 É importante destacar, ainda que todas estas diretrizes ‘estão em rede’, ou seja, estão interligadas entre si. E é por isto que é necessário que se olhe para a maternidade como um todo, pois do contrário teremos algumas áreas de excelência e outras com práticas e ambiência inadequadas. Este olhar sistêmico pode ser ofertado pela diretriz da cogestão, que se impõe como um requisito fundamental para se qualificação o cuidado nas maternidades.

 

4) Quais ações nas maternidades podem ser destacadas hoje?

Entre tantas ações previstas no Plano eu destacaria a garantia do direito de acompanhante de livre escolha da mulher como uma das ações mais desafiadoras. No Brasil há uma lei que garante este direito (lei 11.108, de 2005) e mesmo assim o que se observa é uma grande resistência dos hospitais e dos trabalhadores em acolher este acompanhante. A situação é tão grave que recentemente o Conselho Nacional de Saúde baixou a Recomendação 009, de agosto de 2010, que reforça a necessidade de se tomar medidas para que esta lei vire, de fato, uma realidade em nossos hospitais. Os argumentos utilizados para a não-inclusão são muitos, sobretudo a inadequação das instalações físicas, que em muitas maternidades é um fato. Advogamos que a precariedade da ambiência que não pode ser colocada como elemento de negação de um direito, ainda mais quando garantido em lei. Esta alegação, é bem verdade, encoberta uma triste realidade: as práticas de saúde se autonomizaram da vida das pessoas e o parto e o nascimento deixaram de ser eventos da vida, da família para se tornarem procedimentos médicos, naquilo que se convencionou chamar de medicalização. A presença de familiares nos hospitais (nos procedimentos, nas UTIs, nas internações, etc.) em alguma medida faz com que muitas práticas sejam questionadas e, assim, acompanhantes muitas vezes são vistos como estorvo, como quem atrapalha.

 Na PNH temos reafirmado que o parto e nascimento humanizado, assim como define a Organização Mundial da Saúde, é aquele em que a intervenção desnecessária não é realizada. Como estes eventos foram de alguma forma medicalizados, ou seja, passaram a ser objetos de práticas médicas, muitas rotinas poderiam ser evitadas (este argumento é que funda um modelo de parto humanizado baseado em evidências). É claro que isto pressupõe a produção de uma nova cultura da assistência ao parto, cujo pressuposto mais importante é a autonomia da mulher. Assim, a inclusão do acompanhante é estratégico para se fazer vingar uma nova cultura nas maternidades em direção a uma dimensão mais cuidadora da assistência, dotada de maior capacidade de lidar com esta mulher e família, respeitando sua cultura, sua subjetividade e suas escolhas, que permitem uma experimentação do parto e nascimento como algo que pertence à família.

O acompanhante é um direito de cidadania, pois a mulher compartilha com quem é de sua rede de afeto e cuidado; de outra parte, o acompanhante passa a ser uma pessoa importante no cuidado e as equipes de saúde poderiam “conquistá-lo” de uma forma mais vigorosa para o cuidado da mulher no pré e pós-parto, bem como do recém nascido. Seria muito importante que todas as maternidades incluídas no Plano de Qualificação garantissem a inclusão de acompanhantes, pois assim demonstrariam para todo o Brasil que é possível e que é um recurso poderoso para a produção de saúde.