Acolhimento em rede deve ser compromisso ético do SUS com a gestante

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As gestantes do estado de Roraima tem um bom motivo para comemorar. Desde o mês de julho, assim que chegam na atenção básica e a gravidez é confirmada,  elas são convidadas a conhecer a maternidade onde vão ter o bebê. O projeto “Enquanto o bebê não chega” possibilita que a gestante conheça as práticas de parto humanizado do Hospital Materno Infantil Nossa Senhora de Nazaré, informações sobre aleitamento materno e também visitem as salas PPP (sala onde acontecerá o parto, pré-parto e pós-parto, tudo num mesmo espaço).

 

Essa iniciativa surgiu a partir do conceito de acolhimento em rede e vinculação, proposto pelo Plano de Qualificação,  e pode fazer toda a diferença na hora do parto. De acordo com a supervisora do Plano e psicóloga sanitarista Aline Costa, a mulher quando sabe onde vai ter o bebê não peregrina, pode já escolher seu acompanhante e se sentir mais segura. O caso de Roraima deve ser replicado em todo o Brasil, pois a gestante  não pode enfrentar fila, nem marcações espaçadas de consulta e precisa ter prioridade na atenção primária. Este é um principio ético do SUS.

 

 Para implementar o acolhimento em rede, o Plano de Qualificação das Maternidades tem proposto algumas estratégias que facilitem a conversa entre a atenção básica e as maternidades, bem como os demais serviços da rede de saúde, para que a gestante possa ser vinculada a uma maternidade e saiba disso já no pré-natal, para se preparar para o momento do parto. As centrais de regulação, de marcação de consultas e os fóruns perinatais  já funcionam em alguns centros urbanos para facilitar essa vinculação nos estados que diferentemente de Roraima, possuem mais de uma maternidade.  Conheça como ações integradas da rede de saúde podem qualificar o acesso da gestante e melhorar os indicadores nacionais.

Central de regulação – Desde 1996, uma das estratégias para se garantir o acolhimento em rede na capital mineira, Belo Horizonte,  é a criação de uma central de regulação, que trabalha pelo princípio da equidade, sem que haja disputa pelos serviços, nem leitos sobrando em um ou outro hospital, enquanto a rede está sobrecarregada. A central cadastra todos os leitos dos hospitais do SUS sob sua coordenação, e cada hospital define suas atribuições (qual será para casos que necessitam de UTI, qual atenderá cuidados intermediários, etc.), para que as gestantes com maior risco sejam alocadas em hospitais que atendam às suas necessidades. A gestante em trabalho de parto é prioridade absoluta e deve ser acolhida em qualquer ponto da rede, pois é uma urgência. Se o serviço que a acolhe não tem os equipamentos necessários, precisa acionar outros serviços e oferecer o que ela necessita, com transporte responsável dela.

No Brasil, porém,  parte das gestantes peregrina até encontrar algum local que tenha vaga. Mas a lógica que o Plano de Qualificação das Maternidades propõe é outra, pois sempre deve haver vaga para a gestante. Quando ela peregrina, fica exposta a mais riscos e o bebê também. “ Essa é uma questão de direitos humanos, prevista na legislação, ” afirma a supervisora Sonia Lansky, referindo-se à lei que estabelece que o local de parto é responsabilidade do SUS e  toda gestante tem direito de saber onde será realizado seu parto (lei 11634, de 2007). Antes da lei, as cidades de Curitiba e Belo Horizonte já adotavam essa vinculação e mantém bons indicadores.

Central de marcação de consultas – É uma outra estratégia  fundamental para destinar e priorizar os casos de saúde que precisam mais. Do centro de saúde, a central de marcação de consultas é acionada por telefone e, a partir da necessidade de cada caso e da regionalização (região onde a gestante reside, por exemplo) a consulta é definida. A gestante já sai da central com sua próxima consulta pré-natal marcada. Há médicos auditores que acompanham as vagas e os recursos são repassados ao  hospital à medida em que ele trabalha de acordo com a central. “A alta da maternidade deve ter continuidade do cuidado na atenção básica, para a mulher e o bebê, situação ainda muito falha no país. O cuidado após a alta é fundamental, pois os riscos para a mulher aumentam na primeira semana de vida do bebê,“  afirma Lansky.


Fóruns perinatais
– Os fóruns são espaços para pactuação com toda a rede de saúde sobre as ações de acolhimento. Ele é composto por encontros regulares, planejamento, avaliação e construção coletiva das ações da saúde com base na necessidade da população e capacidade do serviço. Não é possível disponibilizar leitos hospitalares se não se discutir com toda a rede e pactuar a ampliação do acesso. No estado da Paraíba.  o Fórum implantado a partir do Plano já realizou seis encontros e conta com todas as maternidades do estado, bem como representantes do Ministério Público, sociedades profissionais e representantes das secretarias de saúde. O termo de compromisso das maternidades está sendo construído para a implementação de um modelo de atendimento à gestante com base em evidências científicas. As duas maternidades do estado diretamente apoiadas no Plano, Cândida Vargas e Instituto de Saúde Elpídio Almeida tem modificado aos poucos suas realidades, alterando sua ambiência e iniciando o processo de implantação do acolhimento com classificação de risco.


Decisão da mulher, dos gestores e trabalho conjunto

A  gestante tem uma urgência prevista e o SUS  deve se organizar pois é preciso estabelecer uma rede de cuidado e atenção ao parto, fornecendo um serviço para que a mulher se prepare inclusive sob o ponto de vista emocional, e negocie seus direitos, como o acompanhante. Ela não pode ter incerteza em relação ao momento do parto, mas segurança. A vinculação para o parto é uma oferta e não se sobrepõe ao direito de escolha da mulher, pois o sistema se organiza e  faz a vinculação regionalizada, por exemplo, priorizando o serviço de saúde mais próximo à casa da gestante. Se a mulher não quer ter o seu filho no local definido, a maternidade deve acolher essa situação, avaliar e organizar o fluxo. Não adianta acolher e deixar a mulher no banco, é preciso resolutividade, fazer uma avaliação clínica e se responsabilizar por ela. Fazer uma escuta qualificada, dar início às medicações, até encontrar vaga em outro local.

 
Qualquer maternidade no país pode fazer acolhimento em rede, mas nenhuma faz isso sozinha pois ficará sobrecarregada.  O acolhimento precisa ser pactuado coletivamente, com trabalho em conjunto, desenho de rede no município, distrito e  território de saúde. “O papel do gestor é não deixar nenhuma mulher esperando. É uma decisão gestora, descentralizada,  municipal e os territórios devem fazê-lo.“ afirma Lansky. 

Assim como na maternidade de Roraima, atitudes simples podem ser os primeiros passos para o acolhimento em rede. Na Maternidade Dona Regina Siqueira Campos, em Palmas – TO,  foi formada uma comissão com representantes da secretaria de saúde, da regulação, área da criança, área da mulher, urgência e emergência e vigilância. Semanalmente essa comissão se reúne para fazer o levantamento dos fluxos e regiões que são atendidas pelas maternidades do estado.  Aos poucos, estão construindo um mapa de vinculação da rede perinatal. “Isso vai desafogar a maternidade  da capital, para onde muita gente vem de todo o estado, sem necessidade. O mapa é o primeiro passo para garantir a  vinculação da gestante à maternidade de referência.” afirma Goiamara Borges.

O acolhimento em rede também teve avanços significativos nas seguintes maternidades: Bárbara Heliodora (AC), Ana Braga (AM), Balbino Mestrinho (AM), Hospital Universitário (MA), Santa Casa de Misericórdia (PA).