Os Mitos Também Morrem

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Quando alguém famoso morre isso toca a todos. Não só pelo fato da super exposição da pessoa mas também porque essa morte é o lembrete inequívoco de que todos nós morreremos um dia. A maior parte do tempo quase todos desejam esquecer isso, mas então…

De repente Micchael Jackson se vai desse mundo. Como mito, criado e autocriado, ele deixa espaços que não serão preenchidos e outros que o mercado, faminto durante sua vida, agora devorará muito rápido na sua morte.

Mas cumpre relembrar algumas coisas. Por exemplo. No passado, diante da morte de um mito, havia uma espécie de mobilização coletiva para cultuar a memória. A morte era um lenitivo do caráter, absolvia o morto de tudo o que ele havia feito de questionável, destilando o que era considerado bom ou mesmo exagerando gestos banais. Hoje, diante da morte de alguém, nos assombra o espírito da medicina legal: "Do que foi que ele morreu?"

A busca da "causa mortis" é outro sintoma do nosso tempo, efeito da interdição da morte que torna o motivo do colapso do organismo praticamente mais importante que (re)lembrar o morto. Basta que pensemos na morte de Ayrton Senna e teremos na memória os infográficos das revistas mostrando o ponto exato em que a barra de direção da Willians penetrou no crânio do piloto…e dai? O que isso acrescenta de brilho a vida de Senna? Nada! Apenas satisfaz nossa curiosidade "pornográfica" diante da espetacularização da morte!

Com Jackson não poderia ser diferente. Inúmeras teorias começam a ser urdidas para esclarecer o que matou o cantor. Talvez a resposta esteja em nós mesmos, afinal, que mundo é esse onde gradualmente vamos secundarizando a arte e o entretenimento em função da busca sem medida da vida privada das pessoas? Parte das celebridades transformam-se então em engenheiros sociais de si mesmos. Jackson era um mestre nisso ao alimentar os tablóides com especulações sobre seus maneirismos, sexualidade e gostos um tanto exóticos. Tornou-se um quadro que valia mais a pena ser visto pela moldura do que pela obra.

A permanente desconstrução de si mesmo é um caminho seguro para a morte, ainda mais numa sociedade que é capaz de assassinar seus ídolos…alguns de forma literal, outros pelos simbolismos que os tornam escravos do sucesso e absolutamente bizarros em buscar a exposição que um dia tiveram. Micchael Jackson agora entra para a história como o "Rei do Pop", seguindo um final similar ao "Rei do Rock". Ambos cometeram uma forma sutil de "suicídio" quando perceberam que a diminuição do sucesso causava um vazio que, em suas perspectivas, nada poderia suprir.

Fico vendo então a imagem do clip "Trhiller" quando dezenas de zumbis afloram de suas sepulturas e fazem sua coreografia assustadora e engraçada. Em meio a eles, Micchael, em passos que o faziam levitar e que alegrava nossos corações. Como todo herói, flertava com a morte permancendo vivo e feliz. No entanto, o tempo mostrou que a dança infelizmente era profética. Nosso herói foi abandonando sua alegria para lentamente se transformar em mais um personagem secundário de si mesmo, em meio àquelas figuras bizarras até que finalmente se fundiu a elas.

Pensar na morte de Micchael Jackson me fez voltar a adolescência. Lembrei do quanto me sentia invulnerável enquanto tentava fazer aquele maldito passo do garoto que parecia patinar enquanto caminhava nos enchendo de infinito.