O cuidado do idoso que mora sozinho no contexto bioético.

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A Bioética é uma área de discussão sobre valores inerentes à vida e à saúde, e como área de reflexão atenta aos eventos da vida. (Segre, 2001). Traz em seu bojo discussões polêmicas de grande relevância como as questões relacionadas a valores e a princípios morais, que estão presentes no cotidiano dos profissionais de saúde e sua relação com os pacientes. É de Hipócrates a afirmação de que o médico, diante da enfermidade, deve conscientizar-se de dois objetivos fundamentais: “Fazer o bem, não causar prejuízo” (Germano, 2006).

Nos últimos anos, o Brasil vem demonstrando que seu perfil populacional sinaliza rápida mudança na estrutura etária, com destaque para o crescimento progressivo da população idosa. O fenômeno deve-se, principalmente, à redução da fecundidade e ao aumento da expectativa de vida, como principais fatores envolvidos neste acelerado processo de envelhecimento populacional. (Almeida 2011)

Torna-se relevante compreender que o termo envelhecimento pode assumir duas perspectivas diferenciadas: senescência ou senilidade. A senescência caracteriza-se pelo envelhecimento saudável, no qual as alterações nos órgãos e tecidos ocorrem de forma sincronizada. A senilidade caracteriza-se pelo envelhecimento não saudável, em que se observam processos patológicos associados. O desenvolvimento de doenças crônicas e enfermidades próprias desta faixa etária acarretam modificações no estilo de vida e no contexto familiar, que consequentemente levam ao surgimento de situações incomuns vivenciadas até então, no que abrange questões éticas (Aversi, 2008).

A Enfermagem, como sendo uma profissão comprometida com a saúde e qualidade de vida da pessoa, tem deveres e obrigações no sentido amplo. A postura profissional dos enfermeiros diante do paciente deve ser a de considerar as responsabilidades técnico-científicas incluindo a necessidade de estreitamento de uma conduta humanizada, que merece atenção como seu valor intrínseco. (Oliveira, 2010).

Envelhecer morando sozinho (definido por viver em residências unipessoais), sem o apoio de um parentesco próximo, pode associar-se de maneiras diferentes a vários desfechos de saúde, inclusive a morte (NG 2016). A solidão e a falta de redes pessoais foram relatadas como associadas ao risco de mortalidade em estudos de grande porte e seguimento longitudinal (Pantell 2013; Ellwardt 2015; Pimouguet 2016). De qualquer forma, a perspectiva de arranjos domiciliares para idosos no Brasil é desconhecida, pois esse tema tem sido pouco estudado, o que impede uma clara descrição de suas necessidades e potencial demanda por serviços de saúde e apoio social.

Caso:

Em uma visita domiciliar, a ACS deparou-se com paciente J.M.F, 70 anos, sexo masculino, solteiro, sem filhos, sozinho na sua residência, sentindo-se mal e solicitou a presença de uma equipe médica para avaliação. Enquanto aguardava a equipe fez algumas perguntas com o objetivo de descobrir se tinha familiares próximos para entrar em contato e avisar sobre as condições de saúde do paciente. O paciente informou que tem uma sobrinha que é casada, trabalha, reside no mesmo bairro e que o visita de vez em quando, informou que o contato telefônico estava na agenda do seu celular, para avisa-la em caso de urgência.

Na anamnese o paciente apresentou-se consciente, sonolento, tranquilo, queixa-se de dor de cabeça intensa, responde aos comandos verbais, e demonstrou boa aceitação na visita. Na aferição constatou-se PA 180X100mmhg, faz uso da medicação Losartana, 2x ao dia, porém o mesmo relata que às vezes fica confuso e tem períodos de esquecimento. Quanto a sua alimentação, relata que faz sua comida e não tem cuidados com relação ao uso do sal. E que não vai a uma consulta médica há mais de 1 ano.

A equipe deparou-se com o local sujo, necessitando de cuidados com relação a higiene.

A sobrinha relata que o paciente se recusa aceitar um cuidador, admitindo que não confia em estranhos na sua casa e que o idoso relata que não quer dar trabalho a ninguém. A mesma, tem 2 filhos, trabalha em uma fábrica e não tem tempo para cuidar do tio.

 

Modelo  Bioético Principialista

– Autonomia: Fere quando a sobrinha relata que o paciente não aceita a presença de um cuidador, por desconfiança. A equipe de saúde diz o que é melhor, por julgar que o idoso é incapaz de decidir de forma sensata sobre a sua saúde. (postura paternalista e unilateral)

– Maleficiência: O paciente está com a saúde debilitada, esquecimento, confusão, não toma os medicamentos regularmente, reside num ambiente inapropriado, sujo que pode causar outros problemas de saúde. O paciente mora sozinho, o que pode afeta-lo psicologicamente.

– Beneficiência: Necessidade de um cuidador, se possível no horário das medicações e para preparação da sua alimentação. A equipe da atenção primária a saúde presente para averiguar a saúde e controle da pressão arterial, presença da sobrinha (solidariedade e cuidado).

– Justiça: Paciente encontra-se em situação de vulnerabilidade em todos os sentidos, saúde, físico, mental. É lei, paciente idoso ter os cuidados necessários (política pública)

 

Conduta:

·         Acolhimento, escuta, anamnese, direcionamento para atendimento com enfermeiro, médico da atenção primária a saúde (humanização).

·         Com a equipe de saúde observar e acompanhar os problemas com o controle da pressão arterial e também pesquisa de outros sinais e sintomas para estabelecer outros possíveis diagnósticos, possível múltiplas comorbidades. Revisar e adequar o plano de cuidados e de intervenções/ações buscando melhores alternativas. Encaminhar para atenção especializada para averiguar a confusão e esquecimento. O encaminhamento da paciente para psicólogos, o que valoriza também a interlocução e a resolução do caso entre a equipe interprofissional.- envolvimento psicológico (Protocolo Municipal de Saúde do Idoso – Equipe NASF)

·         Encaminhar ao Serviço Social – Paciente sozinho (Proteção Social Especial enviará ao CRAS) caracterizando necessidade de institucionalização: realizado pelo serviço de saúde juntamente com a avaliação de saúde, a solicitação de institucionalização deverá ser encaminhada para a Coordenadoria do Idoso. Enquanto ocorre o processo de institucionalização, o Assistente Social da Secretaria Municipal da Saúde deverá em parceria com o CRAS, garantir o acesso ao benefício social que o idoso tem por direito.

·         Manejo, conversa com a sobrinha e o paciente explicando-lhe o motivo da importância de uma cuidadora tendo uma proximidade afetiva e maior contato com o paciente (Relações socioafetivas).

·          Reconhecer os resultados alcançados e propor novas medidas se assim forem necessárias (evolução do caso).

A reflexão sobre esse tema poderá auxiliar a tomada de decisão de toda a equipe no cotidiano de trabalho, buscando compreender a funcionalidade, adaptando suas ações de acordo com o contexto familiar, para atingir o sucesso do seu plano, que refletirá no processo de saúde-doença do paciente idoso.

Evidências:

·         Almeida ABA, Aguiar MGG. O cuidado do enfermeiro ao idoso hospitalizado: uma abordagem bioética. Rev. bioét. (Impr.). 2011;19(1):197-217.

·         Aversi-Ferreira TA, Rodrigues HG, Paiva LR. Efeitos do envelhecimento sobre o encéfalo. RBCEH. 2008;5(2):46-64.

·         Ellwardt L, van Tilburg T, Aartsen M, Wittek R, Steverink N. Personal networks and mortality risk in older adults: a twenty-year longitudinal study. PLoS ONE. 2015;10(3):1-14.

·         Ng KH. Future of family support: projected living arrangements and income sources of older people in Hong Kong up to 2030. Australas J Ageing. 2016;35(2):113-8.

·         Oliveira IR,  Alves PV.  A pessoa idosa no contexto da Bioética: sua autonomia e capacidade de decidir sobre si mesma Elderly in the context of Bioethics: its autonomy and ability to decide themselves. Revista Kairós Gerontologia 13(2), ISSN 2176-901-X, São Paulo, novembro 2010: 91-98.

·         Organização Pan-Americana de Saúde. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília, 2005.

·         Pantell M, Rehkopf D, Jutte D, Syme SL, Balmes J, Adler N. Social isolation: a predictor of mortality comparable to traditional clinical risk factors. Am J Public Health. 2013;103(11):2056-62.

·         Pimouguet C, Rizzuto D, Schön P, Shakersain B, Angleman S, Lagergren M, et al. Impact of living alone on institutionalization and mortality: a population-based longitudinal study. Eur J Public Health. 2016;26(1):182-7.

·         Política Nacional de Atenção Básica – Portaria nº2.488 de 21 de outubro de 2011

·         Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa – Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006

·         Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa – Portaria nº 2.528 de 19 de outubro de 2006.

·         Segre, M. (2001). Ética em saúde. In: Palácios, M. (Org.) Ética, ciência e saúde: desafios da bioética. Petrópolis, RJ.