Não há no universo um absoluto objeto, sujeito absoluto, a determinações externas. Tudo o que há interage, reage, responde… Não há portanto inocência absoluta. Do mesmo modo, não existe a culpa, no sentido de uma absoluta e unilateral determinação, com independência em relação ao exercício de suas potências. Esse é o grande aprendizado e ensinamento de Espinosa. Tudo o que existe se efetua, se realiza, no movimento de cumplicidade, ou seja, de afirmação ou negação da vida.
Nossa inclinação por entender a realidade em termos de causas e efeitos está na raiz de nosso maniqueísmo. O bem e o mal, a culpa e a inocência, só fazem sentido se entendermos que o tempo é externo ao real, que ele transcende o universo e governa toda a realidade. O mito de que o tempo é neutro permite que acreditemos em determinações unilaterais, em culpas e inocências.
Determinações, seja o tempo, um deus ou as forças fundamentais, que não sofrem o efeito das forças que afetam, simplesmente, não existem. Exceto como modo de negação é que podemos sonhar com um universo de culpados. Somos responsáveis, na medida em que compomos, em que nos acumpliciamos, nos encontros, nos acontecimentos.
Cada vez mais as evidências são de que o tempo e o espaço estão relacionados, são aspectos integrados do real. Ou seja, o que designamos como realidade não surgiu no tempo. O tempo aparece como tal, no universo, como uma configuração específica de suas forças fundamentais. O real precede o tempo. Não há, desse modo, um centro de determinação isento das forças.
Essa substância externa ao universo, que seria uma causa perfeitamente inocente e absolutamente culpada, não está ao alcance de nossas detecções. No entanto, ela está na base do nosso modo de pensar a realidade que percebemos.
Seja nas forças dinâmicas dos corpos supermassivos, como buracos negros, onde a densidade tende ao infinito, ou nas forças das partículas subatômicas, passado, presente e futuro estão entrelaçados em relação de interdeterminação. Não se trata apenas de que tudo o que está no presente se inter afete. O que há no presente, está em relação de afetação, de “afecção”, de afeto, com o passado e o futuro.
A direção do tempo – em que sentimos um ganho ínfimo a cada instante, ao mesmo tempo em que sentimos uma perda eterna, para o passado – é efeito da entropia. O aumento constante da desordem, do esfriamento do universo, é o que designamos e sentimos como o fluxo do tempo.
Mas, somos seres de baixa entropia. Na soma de nossos instantes, criamos um ordenamento. Não, nós os seres humanos, mas a vida, todos os seres vivos, causam uma redução do ritmo da entropia. Com a consciência, parecemos nos tornar ainda mais capazes de gerar ordem. Isso está ainda em questão.
O grande desafio que a vida parece lançar à face da consciência humana – que ala fez emergir em nosso planeta – parece ser o de, em cumplicidade com a matéria que encontramos em nosso ato de existir, resistir ainda mais às forças entrópicas.
Será que poderemos persistir na existência, segundo um ethos de afirmação da dádiva da vida? Essa é a questão, esse é o experimento.