A marca mais decisiva de nossa percepção é a imprecisão. Precisamente se pensarmos a percepção como suficiente para atingirmos a verdade absoluta. No que a percepção humana tem de potente, ela serve a vida da espécie e, de modo colateral, a sobrevivência do indivíduo. A vida que vivemos é, fundamentalmente, a vida da espécie. Por que negamos esse fato é que permitimos que Ilusões e crenças infundadas determinem nossas ações…
Assim, as escolhas não fazem a si-mesmas. Antes elas são determinadas pela proximidade entre nossas visões de mundo e a realidade. Como esta distância entre o real e nossa percepção é grande, frequentemente nossa ação é autodestrutiva e contraria a afirmação da vida.
O fato é que nossas ações são informadas por noções a respeito do bem individual e comum muito distorcidas. Não temos consensos suficientes sobre o bem. Em geral, pensamos que a negação do mal é o bem. Mas como construímos diferentes noções e valores associados ao bem e ao mal, a negação de uma ideia, se confunde com a eliminação do ser pensante. Bem e mal variam segundo o imaginário de cada agregado de humanos. E frequentemente a crença compartilhada em torno de uma ideia sobre o bem absoluto é contrária à afirmação da vida.
Desse modo se instaura, na maquinaria social, uma dinâmica de negação concreta da vida do outro em função de meras crenças compartilhadas. Mas o único fato incontestável, fora do solipsismo, é que, o outro existe. Ele está diante de nós em sua plenitude e alteridade. Já no plano do pensamento, há uma tentativa de racionalizar o real, encaixar no infinito das idéias, uma totalidade do real que é trânsito e fluxo perpétuo. O plano do pensamento, absolutizado, leva ao idealismo.
Buscar a verdade absoluta é uma razão para crer na “existência” do que eu penso – em detrimento da existência do outro – que pensa necessariamente de modo diferente do meu. Afirmar a vida implica em buscar a diferença como fonte de potencialização da existência e não na negação do outro.
O problema na ideia de “verdade”, portanto, reside no fato de que seu valor reside em ela conter em sua totalidade a negação dela mesma. Uma verdade absoluta teria em si mesmo a sua própria negação e ausência. No âmbito de nossa percepção, da formulação de nossos conceitos, uma verdade absoluta é absurda. Por isso o pensamento não é a realidade, mas sim uma expressão, em termos abertos, fertilizados pelas ilusões infinitas da imaginação, do que está contido em recortes de espaço e tempo. É na soma desses instantes, por onde somos arremessados e destinados a existir, que a verdade absoluta poderia ser encontrada. Mas é um fato de nossa constituição biopsíquica, neurológica ou mental que a permanência do passado se resume à fragilidade de nossos recursos inatos e protéticos de memória, do mesmo modo que nosso acesso ao futuro se restringe a probabilidades que podemos calcular.
Já temos, com os acúmulos conceituais do esforço reflexivo ao longo da história, o ferramental matemático que permite calcular a incerteza fundamental que é inerente a nossa percepção do real. O real se mostra de tal forma que o que podemos ter dele é uma constante aproximação e jamais uma certeza absoluta. A incerteza é, portanto, fundamental, dado que não dispomos simultaneamente de todos os fatores e das suas formas de relação.
Esses determinantes existem, mas extrapolam nossa capacidade de pensar. Uma verdade absoluta terá de ser não humana, do mesmo modo que uma ideia de verdade surgiu da adaptação do primata “ainda não humano”, para a forma humana.