O capitalismo e o fascismo estão no cerne da modernidade. O divórcio entre a razão e a vida deram forma à revolução científica. Essa mutilação está implicada na gênese do mercantilismo, com seu massacre genocida aos povos originários do continente americano e o colonialismo na África e Ásia. A crise desse primeiro iluminismo degenera no fascismo, na solução final e na destruição de Hiroshima e Nagasaki.
Cabe aos atores do campo de sentido, configurado pelo pensamento de esquerda, a tarefa de dissecação do fascismo como expressão radical da negação da vida. A acusação, na forma de uma crítica do capitalismo, não é suficiente, ainda que seja importante.
A crítica pela crítica, a mera acusação, pressupõe que uma instância neutra da racionalidade está acessível, ao mesmo tempo em que paira sobre nós. Isso, como hipótese, é uma forma de religiosidade travestida de racionalidade. Os resquícios da religião permanecem no projeto político laico da modernidade. Nesse sentido, os modernos estão saturados de pressupostos absolutos que tem origem na ideia ingênua de que uma transcendência pode nos dar acesso à totalidade do mundo.
Isso não passa de mito.
Esse mito é uma característica humana que tem a aparência de uma necessidade fundamental.
Não se trata de estarmos numa condição de acessar somente interpretações ou de que não exista verdade. Há muitas verdades em cada campo de sentido. Outras verdades emergem do embate, da fusão e intersecção de campos de sentido.
O que não existe, e que resulta na própria condição do conhecimento, é uma verdade a respeito da totalidade do mundo. Mesmo no contexto dos multiversos, na profusão transfinita de campos de sentido, a totalidade permanece inacessível.
Então, podemos entender o fascismo porque ele é uma parte da condição humana. Nos cabe entender como, porque, massas humanas podem apoiar a aniquilação.
Cabe ao campo de sentido do pensamento de esquerda, propor uma terapêutica do niilismo. Acusar os fascistas, sem buscar o entendimento e a terapia para sua superação, equivale a perder a sanidade cuidando do insano.
A tarefa da razão é ainda mais profunda do que supomos. Não há um suporte transcendente para a racionalidade. Não somos a única condição da humanidade. Mas, ainda que possamos ser favorecidos ou prejudicados no contexto das forças cósmicas, só temos a nós mesmos como recurso.
A vida está plenamente isenta de nosso destino. Somos uma das possibilidades da vida e a vida é nossa única possibilidade.