Temos a necessidade e o direito de acreditar. Em qualquer um e em qualquer coisa. Mas é impossível escapar das consequências.
Tomar um ser, objeto ou fenômeno pelo que ele não é sempre significou perigo de morte na história da espécie humana. O mesmo vale para os demais animais.
Pensar que nossos governantes podem ser como preferimos acreditar, que são bons ou ruins independente de seus discursos ou das suas ações, é tão perigoso para nossas existências quanto confundir um esquilo com um tigre.
A mentira com fins políticos é sustentada no auto engano. Não é porque há mentirosos que existe uma crença generalizada na mentira. As pessoas precisam e anseiam por acreditar.
Especialmente quando a explicação é mais complexa do que simplesmente definir um inocente e um culpado.
Fake News é apenas mentira turbinada pela nossa insaciável sede por acreditar em explicações.
Dizer que a realidade é complexa implica em admitir a incompletude incontornável da percepção. O mundo é uma soma de componentes que estão dentro e fora do nosso campo de percepção.
Nossa cognição projeta cenários, mais ou menos precisos, da realidade a partir do conjunto das nossas percepções. Isso se mostrou um importante recurso no provimento de nossa sobrevivência.
No entanto, isso só foi possível pela interação dos dados da realidade em relação aos dados limitados e incompletos dos cenários projetados a partir da nossa percepção. Além disso, uma projeção de cenários é o resultado de um acervo de dados que está espalhado na soma da percepção dos indivíduos de um grupo, bando, tribo e sociedades.
De modo eficiente, ainda que precário, crenças são o acervo desses conhecimentos parciais. Com o refinamento da experiência através das memórias de incontáveis gerações, nossas projeções do real vão criando uma diferença entre as ilusões que nos mantém coesos e o conhecimento que nos mantém vivos como indivíduos, culturas, sociedades ou civilizações.
A negação das mudanças no clima global causadas pelo modo de vida das sociedades industriais é o efeito de nossa desesperada busca por sentido. Crença fornece um significado imediato. O conhecimento, por sua vez, é sempre parcial.
Porém, desde os hominídeos primitivos, há cerca de 2 milhões de anos, o conhecimento superou a rigidez do instinto. Não podemos saber o que é, o porque é e para que a vida existe. Ela dialoga conosco na sua própria linguagem: agimos sobre ela e ela responde, interage com nossas ações.
Podemos ir em diferentes direções. Algumas são fonte de dor e sofrimento. Outras nos trazem alegrias. É tudo o que sabemos. Bactérias e vírus nos matam desde sempre. Recentemente aprendemos a lidar com eles. Mas esse modo provoca reações e adaptações neles e em nós.
O mesmo vale para as comodidades da civilização. Nós as arrancamos do ambiente. O meio, entretanto, não é passivo. Ele se reorganiza, se adapta e isso nos afeta.
Não é um mistério o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Sabemos como nosso modo de vida mudou nos últimos 200 anos. Isso de termos atingido tal grau de interferência com o ambiente não pode se dar sem consequências proporcionais a intensidade de nossa ação.
Não se trata de ser certo ou errado em termos dados a priori. Não há uma moralidade divina ordenando ações e reações. Existe uma ética da vitalidade das espécies. Sua saúde ou degeneração.
Temos que lidar com um modo de vida que nos foi legado. Nossa sobrevivência depende do que é necessário mudar e do que é necessário manter. Não faz sentido julgar a humanidade ou a vida. O julgamento será dado nas consequências. Elas dependem do que formos capazes de fazer.
Reconstruir Nova Orleans, depois do Furacão katrina, custou cerca de 70 bilhões de reais. Isso não foi feito em busca de lucro ou vantagens individuais, embora seja isso o que tenha ocorrido em parte. A reconstrução da cidade é efeito de uma escolha difusa de toda a sociedade norte-americana em relação ao custo de deixar morrer uma parte de sua cultura e de sua população.
O mesmo teremos que decidir em relação às cidades atingidas no Rio Grande do Sul. Escolhas, como quem resgatar do alagamento, sabendo que só os que embarcaram naquele momento sobreviverão (caso em que os pais decidiram ficar para morrer, enquanto os socorristas salvaram as crianças) terão que ser feitas em relação a bairros e cidades, populações e seus modos de vida específicos, construídos ao longo dos últimos cinco séculos.
Mas, projeções indicam que teremos que decidir o que, onde reconstruir e em qual nível projetar infra estruturas de contenção, ao mesmo tempo em que lidarmos com estiagem extremas e perdas nas safras agrícolas em outras regiões do país. É quase certo que as crianças de agora irão viver parte das suas vidas num Brasil em que a Amazônia não existirá mais como a conhecemos.
Mudanças no clima global são uma espécie de síndrome patológica que afetará a civilização planetária para além de nacionalidades, culturas, linguagens ou valores morais e econômicos. Se estas divisões não forem colocadas de lado, em nome da sobrevivência da espécie, então guerras e conflitos estarão somados às catástrofes climáticas.
Como em outros momentos, nossa sobrevivência como espécie está em aberto. Desta vez somos 9 bilhões de almas. Nosso destino comum, a morte, soma-se ao destino comum da espécie.
Não podemos evitar o fim de nossas vidas. Porém, o que fizermos até morrermos fará diferença na sobrevivência ou não da civilização e da espécie humana.
Por patrinutri
Força amigo! Este momento desafiador há de passar! Gosto muito de ouvir Ailton Krenak com sua sabedoria ancestral a nos advertir que para adiar o fim do mundo temos que ouvir e observar a mãe terra e suas lições.
AbraSUS!