Para superar a contradição entre crença e conhecimento
Recentemente passamos a designar nossa era geológica como sendo a do antropoceno, Também podemos dizer que este é o ápice da idade da crença expressada na forma de crenças compartilhadas
Desde a aurora da civilização, por buscarmos a segurança de, pelo menos, alguma certeza, nos protegemos do desconhecido através da criação de narrativas míticas e teológicas.
Mas há um custo alto para o dogmatismo das verdades absolutas. O antropoceno só será uma era longa se formos capazes de criar novos modos de conciliar a incerteza inerente ao real com as possibilidades do conhecimento.
Exemplo da força da crença:
Médicos têm narrado que apoiadores e simpatizantes do atual governo brasileiro saem do coma induzido para realizar ventilação mecânica durante várias semanas devido a Covid-19, agradecendo a Deus por terem tomado cloroquina. Depois de se beneficiar do conhecimento científico expressado no saber das equipes de saúde, dos medicamentos e equipamentos tecnológicos mais avançados, pessoas, ainda que formalmente educadas e cultas, manifestam a força desesperada das crenças mágicas.
A crença é uma necessidade da consciência de estar no mundo. Ela nos dá duas formas de apaziguamento da autoconsciência:
Primeiro um sentido – uma direção que indica um rumo coerente, um para onde ir na existência. E, simultaneamente, um significado – uma razão – para esse estar no mundo. Desse modo todos precisamos das crenças. Mas há diferença entre a crença mágica e a crença em teorias baseadas no rigor dos experimentos e investigações científicas.
O antropoceno é a era geológica mais recente. Dentro do conjunto das eras geológicas o antropoceno é o termo que expressa a força de extinção em massa representada pela civilização humana.
A crença teológica na fé de que os seres humanos são o centro da criação e de que eles dispõem do ambiente e da biodiversidade para saciar seus interesses é o combustível principal de nossa inclinação para a autodestruição.
Por outro lado, a crença em teorias científicas pode estar em sinergia com a afirmação da vida e sua preservação. Isso não impede, entretanto, uma perversão das teorias científicas e do desenvolvimento tecnológico, em nome de crenças mágicas, do ressentimento e da negação da vida.
Então, por que somos uma força de destruição em massa?
A hipótese mais plausível reside no fato de que temos a capacidade de desenvolver tecnologias a partir de nossas investigações sobre porque e para que existimos. Entretanto, jamais respondemos as perguntas essenciais para além das narrativas filosóficas, teorias científicas e mitos religiosos. Permanecemos ignorantes, pois as respostas que surgem das descobertas científicas nos levam a novas perguntas e não à verdade absoluta. E a obsessão por uma certeza imóvel nos torna ressentidos em relação a vida e a realidade.
Ou seja, no nível atual de nosso conhecimento, as certezas permanecem restritas ao âmbito das crenças. De fato, a incerteza parece ser um atributo fundamental da realidade. É, inclusive, na e pela incerteza que o conhecimento avança. São as questões e não as certezas que movem o espírito e o empreendimento científico.
Assim como os humanos primitivos tinham uma experiência existencial que, atualmente, mal podemos imaginar, o futuro trará, se não sucumbirmos à extinção, uma humanidade que igualmente não podemos imaginar como será.
Isso explica o ser humano estar mergulhando em alucinações animadas por crenças. Diante da capacidade de imaginar um futuro em que não podemos nos reconhecer como somos, nos deixamos capturar por delírios do fim do mundo.
A humanidade tem sido uma espécie inquieta e criativa. Nossa extinção depende da renúncia a esses atributos. O ressentimento em relação à mudança tem nos levado a flertar com a negação da vida.
Persistimos na existência sempre foi um esforço na afirmação da vida, na adaptação e na transformação de nossos modos de vida.
Se não mudarmos, iremos perecer. A mudança está diretamente relacionada ao modo e a qualidade das crenças que seremos ou não capazes de instituir como crenças provisórias, fundamentadas no método de investigação científica e sempre abertas à mudança e ao devir criativo.