PODE UM ANTIVACINA FREQUENTAR A MINHA SALA DE AULA?

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Recebi de colegas docentes essa pergunta, mas com indagações do ponto de vista da biossegurança e do serviço público. E fiquei de fazer um parecer. Mas pela complexidade e novidade do tema, decidi colocar isso na ágora, que sempre foi a RedeHumanizaSus, para construirmos coletivamente e pensar aquele que se nega a se vacinar. Afinal, quem se nega não é protagonista e co-responsável pelo cuidado? Mesmo que a sua concepção difera diametralmente da nossa.

A DEMANDA

O aumento da cobertura vacinal e a estabilização/queda no número de casos têm estabelecido planos de retomada para os locais de maior espalhamento de vírus: eventos, igrejas e escolas. Nesse sentido, sendo a escola o único dos três equipamentos compulsórios para todos os cidadãos brasileiros, é seguro receber estudantes que se recusam a tomar a vacina?

O CONTEXTO HISTÓRICO

A recusa à vacinação no Brasil não pode ser tratada como tema novo, e é central à história da Saúde Pública brasileira, desde a Revolta da Vacina. Em ambos os casos, no passado e no atual, é importante inserir a recusa à vacina em um contexto social mais amplo e não somente em categorias importadas como a de anti-Ciência. E se perguntar: por quais motivos as pessoas não iriam se vacinar?
O primeiro argumento, em uma economia capitalista, pode estar relacionado às questões financeiras. Esse argumento não se sustenta no caso brasileiro, no qual a vacina é totalmente gratuita.

O segundo argumento pode estar relacionado às longas filas de vacinação, que pode trazer ônus pessoais. Nesse ponto, ressalta-se o início do reforço da terceira dose para idosos e da vacinação para adolescentes, o que inverte o grupo de prioridade vacinal para o grupo das pessoas economicamente ativas que devem ser prontamente vacinadas quando assim demandarem.
O terceiro argumento é o do foro íntimo. O desejo individual baseado por convicções sociais não deve ser descartado de maneira imediata. Ao enunciar a individualidade de decisão, que nas demandas tem sido enunciadas como o direito à liberdade, deve-se qualificar em dois tipos.
O primeiro é a da recusa baseada em ausência de informação qualificada. Os procedimentos de saúde são invasivos e impactantes nas concepções de corpo da população. Essa premissa que está presente desde de obras clássicas, como a de Sérgio Arouca, devem ser discutidas e dialogadas com os atores, os medos e restrições não devem ser acolhidos como ignorância, mas como prudência aos novos procedimentos. O papel da educação em saúde é primordial para verificar as concepções de saúde locais com o intuito de garantir o efeito coletivo do cuidado produzido pela vacinação.

Entretanto, caso a recusa seja de foro íntimo e pertinente a convicções, não relacionadas aos casos de doenças pré-existentes cuja vacinação não é recomendada, deve-se pensar em medidas protetivas daquele que se recusa a se vacinar. Pode ele professar sua convicção sem colocar sua liberdade de convicção como risco para a coletividade? Negar a ida de uma pessoa não vacinada por convicção à sala de aula é cerceamento de direitos?

DA DISCUSSÃO

A partir do princípio da razoabilidade que rege a administração pública, o foro íntimo, dentro do Estado Laico, pode ser equiparado ao religioso, e nesse sentido as liberdades individuais podem ser correlacionados às liberdades religiosas, em seu cumprimento normatizado pela lei 13.796 de 2019 que trata das negações “em virtude de escusa de consciência, prestações alternativas à aplicação de provas e à frequência a aulas realizadas em dia de guarda religiosa”. Sob a ótica não punitivista, donatária da Declaração Universal de Direitos Humanos, no caso de estudantes que se escusem às medidas profiláticas como a da vacinação, e apesar de compreender a desobediência civil no descumprimento do item art . 3, item III, da lei 13.979 de 2020 que determina a realização compulsória da vacinação, o impedimento de estudantes não vacinados é razoável. Assim corrobora o entendimento da ADPF 811 / SP que separa a liberdade em forum internum e forum externum. Dito de outra forma, a convicção íntima pela não vacinação não viola preceito constitucional de liberdade religiosa e de expressão desde que não rompa os limites do forum externum no qual pessoas que guardem a aceitação pela vacinação convivam.

PARECER

CONSIDERANDO que o direito à educação é garantido pela Constituição.
CONSIDERANDO que o advento da epidemia ocasionada pela Sars-Cov-2 reconfigurou o formato de ensino e aprendizagem.

CONSIDERANDO que a escusa à vacinação e adesão aos protocolos sanitários podem ser compreendidos como convicções individuais,  apesar da infração da lei 13.979.
CONSIDERANDO  que já existe na legislação brasileira normativa acerca da escusa em âmbito íntimo.

ORIENTAMOS que um estudante sem vacinação por convicção, por escusa pessoal, não deve frequentar a sala de aula presencialmente. Tampouco é razoável aplicar a lei 13.979 tendo em vista que equipamentos de educação não deve exercer poder de polícia. Nesse sentido, deve-se garantir o seu direito à educação. Por paralelismo, recomenda-se seguir a Lei 13.796 de 2019 que orienta pela prestação alternativa pela atividade didática em sala de aula. Ressalta-se que esse parecer restringe-se aos estudantes de universidades e acima de 18 anos, os menores de idade deve-se aplicar a vacina de modo compulsório como indica o Estatuto da Criança e do Adolescente.