QUAL O PERFIL IDEAL DO ESTUDANTE DE MEDICINA? – MÚCIO MORAIS

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Por muito tempo venho trabalhando na questão da “humanização na saúde” fiz diversos seminários abordando as diretrizes do Política Nacional de Humanização (PNH) que existe desde 2003 para efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários.

Em muitos estados fui convidado a estar nos cursos de medicina e nas unidades de atendimento onde se realizam as residências, falei para milhares de professores e alunos, e pude constatar a dificuldade da nova geração de estudantes e médicos em assimilar os princípios fundamentais do programa de humanização.

Parece estranho, mas uma parte significativa destas pessoas simplesmente não conseguem fazer a ligação entre o técnico e o humano, entre o servir, doar, entregar-se, ser empático e o simples ato de atender. Temos uma geração fria, tanto de novos médicos quanto de estudantes, e lamentavelmente tenho que admitir, nossa medicina está decadente e em queda livre com estas novas “caras.”

Preciso destacar o trabalho de muitas faculdades e unidades de atendimento em desenvolver programas de humanização e treinamentos sistemáticos para estudantes e profissionais, posso mencionar centenas de cidades e organizações onde as coisas funcionam muito bem; mas…

A profissão médica não pode se dar ao luxo de ter pessoas cuja busca pelo status, a ambição da fama, a vaidade, a segurança financeira, a tradição familiar, o fascínio causado por um parente ou amigo médico, as expectativas da família, sejam os pilares desta decisão. A primeira pergunta de um candidato ao curso de medicina deveria ser: PORQUE EU QUERO ME TORNAR UM MÉDICO? E, mesmo considerando as notas necessárias para o curso, esta resposta define muito mais que uma aparente capacidade acadêmica.

As questões essenciais apontam para um tipo de personalidade e caráter exclusivos, distintos e que se tornam cada vez mais raros em nossa sociedade; permita-me abrir uma pequeno questionário em que o candidato a estudante de medicina deveria refletir:

1.  Quanto vale um ser humano para você?

2.   Você respeita as pessoas independentemente da cor, classe social, nivel cultural etc?

3.   Você se importa com o sofrimento dos outros? (qualquer tipo de sofrimento);

4. Como você se comporta diante do sofrimento alheio, inlcusive na família? Se aproxima e ajuda ou não sente este impulso?

5. As pessoas mais próximas podem contar com você nos momentos difíceis ou você cobra seus “direitos” mesmo nas dificuldades? Ou prefere ficar a parte?

6. Você permite que as pessoas se aproximem? Ou você ignora quem se aproxima de você?

7.  Você fica animado para aprender com os outros?

8.   Você consegue se relacionar com pessoas muito diferentes de você ou simplesmente as evita?

9.  Você se envolve em atividades de apoio ou ajuda a pessoas carentes em diversas formas ou isso não passa por sua mente?

10. Você iria para um país muito pobre e sofrido e se dedicaria a cuidar dos seus habitantes?

11.   Você da atenção ao que as pessoas falam? E considera? Ou se irrita?

12.   Você poderia ser chamado de mauricinho? Se preocupa demais com sua aparência? É vaiodoso(a)

13.   Você se isola e passa muito tempo sem se relacionar com as pessoas?

14.   Você tem a atitude de quem acha que sabe tudo?

15.   Você discute e faz questão de manter sua opinião?

16.   Você é bom filho? Bom irmão(ã), bom neto(a), bom sobrinho(a), sua família e parentes se sentem amados por você?

17.   Você se daria bem em uma profissão onde trabalharia sozinho em um quarto com seu computador?

18.   Você trabalharia bem em equipe? Aceita liderança seja ela qual for?  Mesmo por alguém menos preparado que você?

19.   Você se ofende com facilidade?

20.   Você é o tipo de pessoa que faz falta quando não está presente?

Estes são alguns questionamentos que imagino serem importantes a um futuro estudante de medicina, na verdade, fiz estes questionamentos para médicos recentemente, foi um choque, alguns se emocionaram, um pequeno grupo ficou irritado com minha ousadia e se expressaram na segunda etapa, três ou quatro se levantaram e saíram, e, uma parte significativa, creio que quase a totalidade permaneceu no auditório para a segunda etapa da palestra, não tenho idade para brincar de médico e as pessoas estão morrendo muito mais por falta de amor do que propriamente de doenças tratáveis. Medicina sem empatia não é medicina é outra coisa. O novo e o velho na medicina precisam encontrar no processo de acolhimento, humanização, relações humanas e outros nomes que se queira dar, aliados para ampliar a eficácia de qualquer movimento terapêutico, o sentir-se encorajado, motivado, feliz, cuidado, amparado amplia em muito as nossas possibilidades médicas.

Não quero romantizar, sei muito bem da importância das pesquisas médicas, dos novos processos de diagnósticos, novos medicamentos, novos tratamentos, técnicas cirúrgicas que minimizam os riscos e são mais precisas, mas te convido a uma pequena parada no campo da humanização, e aos novos estudantes, não deixem para depois o investimento em crescimento pessoal, busque ferramentas que te façam um ser humano melhor, invista na sua espiritualidade (não estou falando necessariamente de religião); pense, filosofe, olhe mais para dentro de si mesmo, seccione biografias de humanos notáveis, enfim, aqui fica definida toda a sua carreira, acredite:

“Receber um abraço carinhoso no momento da alta médica ao Sr. Joaquim e envia-lo para sua casa simples na roça, curado ou sob controle, para viver mais alguns anos ao lado de dona Maria, seus filhos e netos, pode ser a maior recompensa que você terá como médico”.

Então, pense nisso: Você quer mesmo estudar medicina?

Múcio Morais