Há muito tempo o modelo biomédico ocidental, promovido pelos governos, instituições científicas, universidades e sociedade civil, convive com concepções de saúde originárias de tradições populares, religiosas e crenças. Com a amplificação das vozes concorrentes pela verdade em fluxo pelas novas tecnologias de comunicação, as autoridades oficiais de saúde, bem como a legitimidade do jornalismo como o porta-voz da realidade, são desestabilizados diante do discurso que faz existir o fenômeno das fake news. Este é um pressuposto comum que perpassa os trabalhos publicados neste primeiro volume do ano da revista Reciis – Dossiê Fake news e saúde.
Em notas de conjuntura e em depoimento em vídeo que anuncia esta edição, o professor da Universidade de George Washington, Sílvio Waisbord, argumenta que estamos sob um novo regime de verdade sobre a saúde, no qual se tornam audíveis vozes dissidentes, razoavelmente (ou não) céticas quanto aos fundamentos da ciência e das instituições médicas. Sob a perspectiva dos valores democráticos, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Afonso de Albuquerque, em Entrevista, compreende que o discurso das fake news se insere num campo de deslegitimação das instituições da ciência e das práticas profissionais como o jornalismo – argumento este reforçado em editorial. Esta deslegitimação promove, contraditoriamente, soluções ditas autoritárias para o monopólio da verdade por algumas corporações científicas, políticas e comunicacionais.
Redes sociais e os boatos
Na seção dos artigos originais do dossiê, as páginas do Facebook do Ministério da Saúde e da Fiocruz são analisadas tendo em vista informações relacionadas às políticas de saúde e aos valores democráticos, e também a popularidade das postagens sobre boatos nos seguintes trabalhos: Comunicação pública no Facebook do Ministério da Saúde: Uma análise das campanhas sobre o Aedes aegypti no “verão do zika” e Zika e microcefalia no Facebook da Fiocruz: a busca pelo diálogo com a população e a ação contra os boatos sobre a epidemia. A discussão sobre os saberes e disputas pelo poder de saber do Estado, dos experts e de instituições científicas é contemplada nos trabalhos Fake news colocam a vida em risco: a polêmica da campanha de vacinação contra a febre amarela no Brasil em 2016 e Antivacina, fosfoetanolamina e Mineral Miracle Solution (MMS): mapeamento de Fake Sciences ligadas à saúde no Facebook.
Em seguida, tendo como objeto de estudo a seção “Verdade ou Boato” do jornal Zero Hora (meio impresso) e GaúchaZH (meio digital), Kalsing, Rizzo e Brandão buscaram compreender as características das matérias produzidas e o perfil das informações checadas nesta seção. O dossiê comtempla uma resenha escrita por Taís Seibt sobre o livro “As fake news e a nova ordem (des)informativa na era da pós-verdade”. A edição conta ainda com publicações de artigos submetidos em fluxo contínuo que refletem sobre temas da Comunicação /Informação e Saúde, produção e divulgação científica.
Das fake news às ações de divulgação científica da Reciis
No contexto do fenômeno das fake news, fazer circular o conhecimento científico torna-se fundamental diante das diversas possibilidades de disseminação do saber que as novas mídias proporcionam. Esta preocupação que norteia toda a equipe da revista fez com que as ações de comunicação e divulgação científica das edições da Reciis tivessem resultados relevantes em 2019. A página do Facebook do periódico teve um crescimento de 50% de seguidores em relação ao ano de 2018. Sem considerar as interações das publicações sobre o lançamento das edições, chamadas de trabalho e a seção “#NotíciasReciis”, os posts que tiveram mais envolvimento foram referentes ao editorial assinado por Kizi Mendonça de Araújo, editora associada da Reciis, “Por uma ciência democrática e cidadã”, do artigo “Metodologias colaborativas não extrativistas e comunicação: articulando criativamente saberes e sentidos para a emancipação social” e a conversa em vídeo com a assistente de pesquisa, Biancka Fernandes, conteúdo que compôs o editorial do dossiê 40 anos do movimento LGBT: visibilidades e representações.
A Reciis deu um salto no número de acesso às páginas dos artigos, ao sair de 1% de crescimento, em 2018, para exatos 14% a mais de acessos em 2019, totalizando mais de 92.000 acessos no ano. Os artigos publicados em 2019 mais acessados foram os do primeiro número do ano, entre eles, o trabalho “Diretrizes e indicadores de acompanhamento das políticas de proteção à saúde da pessoa idosa no Brasil”, a tradução de um relevante ensaio do cientista político Robert Crawfort “Salutarismo e medicalização da vida cotidiana” e o artigo “Apropriação da terminologia ‘uso consciente de medicamentos’ visando à promoção da saúde global”.
Já os trabalhos que tiveram mais downloads das edições de 2019 foram os publicados no último número do ano, entre eles, a entrevista com professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Muniz Sodré, “Do lugar de fala ao corpo como lugar de diálogo: raça e etnicidades numa perspectiva comunicacional” e o artigo “Esperança x sofrimento nas mídias sociais: o que motiva seguidores do Instagram a seguir a temática câncer?”, ambos pertencentes à edição que compõe o dossiê Saúde, etnicidades e diversidade cultural: comunicação, territórios e resistências.
A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis) é editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict)/FIocruz.
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