(Texto: Roberto Abib – Reciis)
Um dos efeitos da crise da modernidade é a crítica à ciência disciplinar e especializada, que se torna distante da sociedade na sua construção. Desde 1980, o debate sobre a democratização da ciência e de seus espaços legitimadores se tornam significativos. Na contemporaneidade, os efeitos da crise da modernidade e da ciência emergem, novamente, nas questões relacionadas à saúde da população, envolvendo, principalmente nos ambientes comunicacionais, desconfianças e suspeitas à segurança de Estado e à verdade científica. Nesse sentido, a Reciis lança o dossiê Perspectivas multidisciplinares sobre desinformação em ciência e saúde, elegendo o fenômeno da desinformação como resultado de ações sociais e comunicacionais que envolvem a ciência, a saúde e a política na contemporaneidade.
Em editorial, as editoras e o editor convidado, Hully Falcão, Thaiane Oliveira e Ronaldo Araújo propõem que a perspectiva multidisciplinar sobre a desinformação científica contribui para as formas diversas e complexas de análise de um fenômeno relacionado a fatores tecnológicos, econômicos, socioculturais e políticos. Os temas discutidos nos artigos do dossiê tratam sobre fake news, abordadas no artigo de Fernanda Vasques Ferreira, Rafiza Varão, Marco Aurélio Boselli, Leandro Brito Santos e Marcelo Albano Moret; discursos sobre cuidado na pandemia, analisados por Diego Sila e Bianca Ferreira; construção sobre legitimidade e confiança nas instituições modernas, como no artigo de Tainá de Almeida Costa e Eunice Almeida da Silva; combate à desinformação em saúde e ciência abordado no artigo de Vilso Junior Chierentin Santi e Bryan Chrystian Araújo.
O dossiê abre com o artigo de Fabio Reis e Roberto Kant, que discutem as moralidades nas narrativas antivacina e anticientífica por uma abordagem etnográfica nas redes sociais. A coletânea se completa com o trabalho de Arthur Coelho Bezerra, Marco Schneider e Rafael Capurro, os quais se apropriam dos contos de Machado de Assis para debater as práticas desinformacionais, colocadas em comparação com os personagens charlatões dos contos machadianos e as ações de desinformação em saúde evidenciadas na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) em 2021.
Pandemia, cinema e divulgação científica
Na seção Entrevista, o professor de Jornalismo na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, João Figueira, discorre sobre sua trajetória e pesquisa acadêmica no jornalismo. O pesquisador analisa o fenômeno da desinformação no jornalismo, na saúde e na pesquisa científica, áreas que considera importante na promoção de uma vida democrática. Na seção Notas de Conjuntura, Leandro Lage desenvolve uma reflexão ao indagar: “quais regras morais a experiência pandêmica teria alterado no que diz respeito à vulnerabilidade, ao cuidado e à proteção à vida?”; Christovam Barcellos e Diego Ricardo Xavier fazem uma análise de fases, impactos e desafios da pandemia de covid-19 no Brasil. Na seção Resenhas, Luiz Felipe Fernandes Neves analisa o filme Contágio (Contagion), longa-metragem norte-americano de 2011 (direção de Steven Soderbergh e roteiro de Scott Z. Burns), considerando o potencial do cinema para a divulgação científica ao abordar conceitos, processos e controvérsias da ciência e de que forma o filme, em específico, se configura como um potencial preditivo da ciência em relação a emergências sanitárias.
Além do envio de trabalhos em períodos específicos para os dossiês temáticos, as submissões de artigos originais à Reciis estão abertas ao longo de todo ano. Os trabalhos publicados por meio de submissão em fluxo contínuo neste número apresentam artigos sobre as relações entre comunicação, informação e saúde a partir de temas como: raça, gênero e classe, doenças negligenciadas, mídias sociais, análises bibliométricas e covid-19.
A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis) é editada pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz).