RECOMENDAÇÃO Nº 1, DE 26 DE JANEIRO DE 2023 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)

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Recomenda medida contrária à criação do
Departamento de Apoio a Comunidades
Terapêuticas no âmbito do Ministério do
Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome, entre outras providências.

 

 

 

 

 

 

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Trigésima Oitava Reunião Ordinária, realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de 2023, em Porto Alegre, no âmbito do Fórum Social Mundial, e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e Considerando que, em outubro de 2009, o 49º Conselho Diretivo da Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS) aprovou a Estratégia e Plano de Ação em Saúde Mental, pela qual a promoção da atenção à saúde mental deve ser universal e igualitária para toda a população, por meio do fortalecimento dos serviços de saúde mental dentro dos marcos de sistemas baseados na atenção primária e de redes de fornecimento integrado e em atividades contínuas para eliminar o antigo modelo centrado em hospitais psiquiátricos e/ou instituições asilares;

Considerando a Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental; Considerando que a Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas esteve, até dezembro de 2017, ancorada nas principais convenções internacionais, tais como a Proteção de Pessoas com Transtornos Mentais e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental, de 1991, e na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2007, que depois de aprovada no Brasil pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, com o mesmo status jurídico de Emenda Constitucional, foi posteriormente regulamentada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência);

Considerando que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela Portaria nº 3.088/2011, propõe um modelo de atenção em saúde mental a partir do acesso e promoção de direitos das pessoas, baseado na convivência dentro da sociedade, ou seja, em meio aberto, de base comunitária e que além de mais acessível, a Rede ainda tem como objetivo articular ações e serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade e com a garantia da livre circulação das pessoas com uso problemático de álcool e outras drogas pelos serviços, território e cidade;

Considerando que a RAPS é constituída por um conjunto de ações/serviços, dentre os quais: atenção básica à saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência/emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial (RP), que a princípio são capazes de garantir o cuidado e o tratamento de pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas, sendo necessário o investimento público nesses serviços para sua efetiva implantação nos diferentes municípios e regiões do país;

Considerando que as Comunidades Terapêuticas (CTs) são residências coletivas para pessoas que fazem uso problemático de álcool e outras drogas de longa permanência (em geral de 9 a 12 meses), podendo ser compreendidas enquanto instituições fechadas, visto que a maior parte impõe algum tipo de restrição ao contato externo e isolamento para os residentes;

Considerando o Plano de Ação em Saúde Mental 2013-2030, adotado na Assembleia Mundial de Saúde em 2013 e estendido até 2030 na Assembleia Mundial de Saúde de 2019, que estabelece entre seus objetivos a implementação de serviços de saúde mental integrados e de base comunitária e a implementação de estratégias de promoção e prevenção em saúde mental tendo os direitos humanos como componente;

Considerando a não submissão da implantação das comunidades terapêuticas à análise dos órgãos de controle social da saúde e da Assistência Social conforme legislação específica do SUS e do SUAS, de forma emissão de parecer sobre adequação ao planejamento das redes de saúde e assistência bem como de seus resultados;

Considerando a inexistência de mecanismos que estabeleçam, para estes equipamentos, critérios específicos de funcionamento para acolhimento de pessoas com comprometimento de saúde pelo uso de substâncias bem como de protocolos de monitoramento e avaliação destes equipamentos;

Considerando a Recomendação nº 2, de 24 de janeiro de 2023, do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), que recomenda ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome “que realize auditoria e inspeção nacional em todos os contratos, convênios e termos de parceria com as comunidades terapêuticas firmados pela antiga Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Droga (SENAPRED) e que, em conjunto com o Ministério da Saúde, dos Direitos Humanos e da Cidadania e da Justiça e Segurança Pública, adote outras providências para que a assistência em saúde de pessoas usuárias de drogas seja construída a partir de políticas interministeriais com participação e controle social”;

Considerando a indefinição quanto a natureza destes equipamentos, os quais estão inseridos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde sob o “tipo 83 – Polo de Prevenção de Doenças e Agravos de Promoção da Saúde”e não de tratamento de saúde, cujas exigências específicas deveriam estar pautada em equipes específicas de formação em saúde e, da mesma forma, de acordo com o parecer do Conselho Nacional de Assistência Social se pronuncia em parecer em 22 de julho de 2022, enfatizando que “as comunidades terapêuticas e as entidades que atuam na redução da demanda por drogas não integram o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e as ações realizadas
com esse objetivo não são consideradas como serviços, programas e ou projetos
socioassistenciais”;

Considerando que as comunidades terapêuticas não são por si um equipamento com efetividade comprovada para isoladamente abarcar a complexidade de assistir pessoas em uso de substâncias psicoativas sendo incongruente possuírem um mecanismo apoiador específico e apartado da política nacional de saúde mental e drogas, que é uma política de Estado cuja função é orientar o cuidado às pessoas em sofrimento mental e o cuidado às pessoas em uso de substâncias psicoativas;

Considerando que dados referentes a 2021 já indicavam que as comunidades terapêuticas, contabilizados apenas o financiamento através da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Droga (SENAPRED), sem contabilizar os convênios municipais e estaduais, já eram detentoras de financiamento público superior ao destinado aos dispositivos de cuidado às pessoas em uso de drogas das redes de atenção psicossocial sob égide do Ministério da Saúde; e

Considerando as inúmeras denúncias de violações de direitos e o relatório da inspeção nacional em comunidades terapêuticas realizado em 2017 pela Procuradoria Geral dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, pelo Conselho Federal de Psicologia e pelo Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, que teve como conclusão a precariedade da oferta de cuidado em saúde e a reiterada violação de direitos das pessoas internadas nestes equipamentos entre outras inspeções e orientações em nível estadual de órgãos fiscalizadores.

Recomenda
Ao Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e
Combate à Fome:
I – Que revogue a criação do Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas;
II – Que seja iniciada a construção de articulação interministerial (Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome, Ministério da Justiça/SENAD e Ministério do Direitos Humanos) para discussão da Política Nacional de Saúde Mental e Drogas em diálogo com a política nacional sobre drogas com vistas à criação de um planejamento conjunto que compreenda o cuidado às pessoas que usam drogas como ‘cuidado em saúde’ pautadas na Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, e em estruturas territoriais comunitárias que promovam a inclusão social e preservem seus laços comunitário evitando a ruptura de vínculos societários e
consequente exclusão social.

Ao Ministério da Saúde:
I – Que promova a reestruturação do financiamento das Redes de Atenção Psicossocial, voltada para a ampliação dos dispositivos existentes na Portaria nº 3088/2011, em específico os CAPS AD III, além da rede de atenção básica, consultórios na rua, urgência e emergência, leitos em hospitais gerais, Unidades de Acolhimento Adulto e Infantil, com vistas ao aumento de cobertura sanando a lacuna assistencial gerada pelo desfinanciamento e pouco investimento dos últimos anos;
II – Que a destinação financeira e orçamentária que reorientou o financiamento para equipamentos de características asilares (comunidades terapêuticas) em detrimento dos dispositivos de base territorial comunitária gerando distorção ao preconizado pela Organização Mundial de Saúde e orientado pela Lei nº 10.216/2001, tenha a devida transparência e que os órgãos de controle social do SUS tenham livre acesso a essas informações; e
III – Que a destinação financeira e orçamentária para o Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas seja revisada em diálogo interministerial com as pastas citadas nesta Recomendação.

Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Trecentésima
Trigésima Oitava Reunião Ordinária, realizada nos dias 25 e 26 de janeiro de
2023.