A verdade está em oposição à diversidade. O erro não se identifica com a mentira, portanto. Ao negar a diversidade e a multiplicidade de olhares, a perspectiva, a ideia de verdade como unidade imóvel é antagonista da vida e nosso erro fundamental.
O que temos como ciência, como o empreendimento da busca do conhecimento, está relacionado a invenção, a criação e não a descoberta de causas ou princípios originais. A ciência se move sobre as rodas da multiplicação das perspectivas.
Quanto mais sofisticadas e sintonizadas com as evidências, mais nossa tecnologia se expande. A ciência, desse modo, não busca a verdade. Ela abre um caminho por onde podemos expandir nossa experiência da multiplicidade das forças, seus campos e seus encontros.
Pensamos a vida de modo linear: Uma linha que se inicia com uma incompletude inerte, sujeita a determinações e isenta de sua parcela de autonomia em todos os encontros. Uma linha em que a potência emergente e criadora é concebida, ou pensada, como impotência.
Ali, no início da linha, estão o pecado original e a perdição imóvel que marcaria o humano. Adiante na linha, sempre afastada de cada instante, estão o paraíso, a redenção, o bem, o bom o belo, deus – e o que tudo isso significa de modo subjacente – a verdade. Com essa linearidade o que nos resta é imaginar num não lugar, num jamais agora, uma idealização (des)corporizada de toda a intensidade que só se pode sentir com o corpo.
Nesse movimento o valor é tornado menor que zero, se converte numa negatividade incorporada na negação da vida. Ele se rebaixa ao ser investido numa intensidade ausente, ou a intensidade é consumida num culto ao que não está presente, ao inexistente. O corpo nega o corpo em nome de uma abstração linguística, numa formulação baseada em palavras que expressam como valor algo em que o corpo jamais encontra a alegria.
A verdade se confunde com o início e o fim da trajetória. A verdade inicial de que a vida é falta e a verdade no final onde está a redenção, o éden eterno. Tudo mitologia, que da religião se infiltra na própria ideia de civilização.
A civilização se identifica com a ideia de verdade, quando de fato a civilização não é mais do que um modo, uma forma entre muitas possíveis, capazes de afirmar ou interditar a vida e sua expansão. O nosso modo de vida é claramente antagônico à vida. Ele nos coloca sobre a pressão entre a mudança ou a extinção.
Estamos enjaulados na ideia filosófica da imutabilidade, da unidade e da imobilidade. Todas as evidências estão do lado do movimento como o motor do universo. Mesmo as leis da física, que eram tidas como princípios que ordenam o universo, agora parecem casos particulares de um movimento sem início e sem fim que dá sustentação à arquitetura do universo.
Anexo: Fragmentos facebookianos
As leis do universo não são ontológicas
Num universo infinito – em que o movimento é a única regra eterna – as leis da física decorrem de eventos peculiares e arranjos fortuitos nas cercanias das regiões em que essas leis são válidas.
É apenas aqui onde existimos e temos autoconsciência – e a experiência das leis sob as quais existimos – que as leis do universo são vigentes.
Em outros lugares as constantes são outras e as leis vigentes são incompreensíveis para seres como nós.
Um grito de afirmação
A verdade consiste num consenso a respeito de formas e modos de afirmação da vida no contexto de um intervalo de estabilidade espaço-temporal em relação à possibilidade de duração da existência da espécie humana.
A submissão a um valor superior, separado da vida, que nos permita julgar a vida como se, vivendo, pudéssemos já ter uma perspectiva externa à existência, é niilismo. E niilismo é negar nossa conexão e imersão no real através da vida que nos circunscreve.
Não nos cabe julgar a vida. Toda a vontade de nossa potência é uma vontade de potência. A vida em nós nos impele a afirmar a vida, nos ensina o caminho da alegria de viver. A civilização busca submeter a realidade e toda a vida a esse afã de reduzir a vida ao delírio de uma realidade imaginária.
O infinito de nossa imaginação deve servir, como arte, a vida e não o contrário. Viva à existência! E, então, viva a vida com alegria.
Marco Antonio Pires de Oliveira
19 de Abril de 2022