Tratamentos*

Pablo tudo bem? O link que você colocou não está funcionando. Da erro, vc pode checar ? Se possível seria melhor aumentar o tamanho da imagem, vc pode coloca-la tb como miniatura do post, na coluna direita vc tem essa opção, se chama: escolher imagem destacada. Isso nos ajuda a divulgar o post na própria RHS mas tb em outras mídias sociais. QQ coisa nos acione pelo contato que te ajudamos. abs, Mariana

Oi Pablo,
Estou estufando o peito para lhe dizer, que bom tê-lo de volta com esta publicação, trazendo a discussão sobre a tuberculose, uma doença que ceifou muitas pessoas no passado, que pode ser perfeitamente tratada/controlada, e que infelizmente, ainda faz muitas vítimas no país. Doença que ceifou não só a vida do poeta Cruz e Sousa, como você fala, mas a de Castro Alves, o poeta dos escravos, e que se foi muito jovem. E é lamentável que dentro do descuido, ainda se encontram outros menos cuidados, os privados de liberdade. O descuido dentro do descuido!
Onde está a responsabilidade e ou as responsabilidades pelo descontrole da Tuberculose no país? Por que a negligência com o tratamento dos presos? O que tem sido feito para mudar esse cenário?
No HILP, onde trabalho, temos recebido algumas crianças com TB, uns com familiares falecidos vítimas da doença. A SESAPI vem intensificando no Estado o Programa de Controle da Tuberculose, com ações educativas, com o objetivo de despertar a atenção da população sobre a doença e a importância do tratamento precoce e adequado, para uma cura resolutiva. Mas isto é pouco, penso que é preciso intervir na qualidade de vida das pessoas, no saneamento básico, nas condições habitacionais da população pobre, e por aí vai.
Fico contente em ver aqui o seminário: Justiça e Saúde na perspectiva dos direitos humanos: como tem sido tratada a população privada de liberdade no Brasil?’. Ampliar o debate sobre o tema é preciso!
Valeu pela divulgação!
Emília

Pablo querido.

Meu primeiro estágio em Direito, entre 1999 e 2000, foi no Hospital Central do antigo complexo do Carandiru, que atendia “reeducandos” (homens e mulheres) com problemas de saúde de todo o Estado de São Paulo. Na sua grande maioria, eram portadores de tuberculose e AIDS (e eram quase todos pretos). O trabalho das advogadas – eu e minha chefe – no local consistia em solicitar indulto humanitário (benefício concedido ao final do ano por decreto presidencial para apenados que preenchiam certos requisitos, alguns deles relacionados a condições de saúde) para que os pacientes mais graves pudessem morrer junto à família. O Hospital Central não era um típico estabelecimento prisional superlotado, havia no máximo 3 pacientes por leito/cela, mas as condições de higiene e limpeza eram tipicamente insalubres, com ratos e baratas convivendo com os presos e presas do local. Ao sair deste ambiente, ao invés de morrer, muitos deles restituíam a saúde, o que contrariava o direito de morte (e não de vida) concedido pelo Estado através do indulto humanitário, fato ressaltado por muitos juízes ao apreciar casos de reincidência. Quando contei que faria o estágio no Carandiru, minha mãe me ofereceu o valor da bolsa (100 reais à época) para eu não trabalhar lá, pois temia pela minha vida e segurança. Perdi a conta de quantas vezes ouvi, de várias pessoas, que “deveriam jogar uma bomba lá e explodir todos os presidiários junto” quando mencionava meu trabalho no Carandiru. Lá dentro, aprendi muito sobre o “aqui fora”, sobre a exclusão, sobre a indiferença em relação à vida e à segurança dos presidiários, sobre a diferenciação de valor das vidas. Sobre o tratamento que a sociedade confere às vidas que considera sem valor, sem direito à proteção, sem qualquer direito além do direito de morrer. Aprendi que no Brasil, o direito de viver é conferido a brancos, e o “direito” de morrer é imposto aos negros, em boa parte das vezes através das instituições do Estado (a polícia é a principal delas).

A questão, para mim, não é mudar as práticas de saúde, mas o modelo de sociedade em que vivemos. E o rico debate que você nos propõe é uma das formas de questionarmos não apenas o papel dos Poderes Executivo e Judiciário (por ação ou omissão) nessa exclusão e legitimação da morte e adoecimento dos presidiários, negros e pobres por falta ou insuficiência de tratamento, mas também o nosso papel enquanto sociedade na sedimentação da ideia de que algumas vidas são dispensáveis, e que a algumas pessoas fora das normas (construídas por quem e para quem cara pálida?) só corresponderia o direito de morrer.

Que lindo seminário será este! Ele será gravado? Por favor, nos traga um relato depois sobre as reflexões da mesa e repercussão das discussões disparadas.

Finalmente, deixo aqui um trecho do poema “Sortimento de Gorras”, de um de nossos maiores abolicionistas, negro que libertou outros negros através da atuação jurídica, Luís Gama:

” Se a Lei fundamental — Constipação,
Faz papel de falaz camaleão,
E surgindo no tempo de eleições,
Aos patetas ilude, aos toleirões;
Se luzidos Ministros, d’alta escolha,
Com jeito, também mascam grossa rolha;
E clamando que — são independentes —,
Em segredo recebem bons presentes:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!

Se a Justiça, por ter olhos vendados,
É vendida, por certos Magistrados,
Que o pudor aferrando na gaveta,
Sustentam — que o Direito é pura peta;
E se os altos poderes sociais,
Toleram estas cenas imorais;
Se não mente o rifão, já mui sabido:
Ladrão que muito furta é protegido —
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!”

Abraços,

Débora

PS: após ler seu post, folheei meu TCC sobre o indulto humanitário, e me emocionei com a dedicatória (não lembrava!): aos presos com que trabalhei no Carandiru, que me ensinaram a lutar pela vida e pela liberdade.

Dias Fortes sempre nos traz(em) posts-poemas