Velho Ano Novo

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As pessoas nos desejam ano novo das mais variadas formas. Quase sempre, são mensagens anchas de alegria e otimismo.

Mas algumas delas são expressões de falsa prestança. São ditas por obrigação como aquele bom dia típico do saguão de um prédio ou do vendedor de sapatos.

Algumas felicitações brotam muito calorosas. Quase nos assustamos quando um estranho, um dos pequenos cacos de espelho da nossa condição humana, nos fita os olhos e diz “Feliz Ano Novo”!

A cultura paranóide das grandes cidades já espreita uma segunda intenção. Os estranhos são, por definição, potenciais inimigos. Entretanto, nos esquecemos boa parte das vezes que os estranhos também poderiam ser potenciais amigos.

As falas ainda estão mediadas pelo Natal, símbolo de potência de vida onde a história do menino que nasceu de uma virgem ganha a possibilidade cristalina de ser real. Fascinante é a fé nos inundar de sonhos e os sonhos atrevidamente ganharem a materialidade prática e objetiva dos gestos. Muitos quase acreditam que os gestos de bondade permanecerão indefinidamente.

As vezes os discursos sinalizam que o ano novo magicamente teria ganho vida: “Que 2024 nos traga paz e alegria”; “Que 2024 inspire às pessoas a serem mais solidárias”; “Que o ano novo traga novas esperanças”. É como se o ano se tornasse uma entidade…quase um deus todo poderoso a exercer sua vontade sobre nossas vidas!

Nessas horas me lembro de Fernando Pessoa na pele de Alberto Caeiro e suas reflexões sobre o sentido das coisas ou como as coisas nos afrontam com seu vazio de sentido. Deixemos a fala com o poeta:

Quando tornar a vir a Primavera (7-11-1915)

Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria,
Vendo que perdera o seu único amigo.
Mas a Primavera nem sequer é uma coisa:
É uma maneira de dizer.
Nem mesmo as flores tornam, ou as folhas verdes.
Há novas flores, novas folhas verdes.
Há outros dias suaves.
Nada torna, nada se repete, porque tudo é real.

(Alberto Caeiro)

Assim fiquei pensando…o ano não é nem uma coisa. Só uma forma de dizer e de pensar. Assim, o ano talvez seja uma “fantasmagoria” que nos esconde de nós mesmos ao afirmar o que desejamos. Na verdade, por trás de 2024 existe a síntese miraculosa das nossas vontades.

Mas entre uma e outra dose de vinho podemos deixar escapar pelo resto dos dias essa vontade poderosa que nos fazia olhar o futuro que estava ali há poucos segundos de distância a dizer para nós e o mundo: “A VIDA VAI SER MELHOR!”.

Ora, 2024 somos todos nós! Corram, venham ver! Os fogos já espocam! Suas luzes coloridas são avatares de um novo tempo. Tomamos de assalto o futuro. Ele têm o frescor de um bebê. Nos sufoca com sua vulnerabilidade ao mesmo tempo que nos afronta com as possibilidades que na verdade são nossas!

O ano novo está batendo na porta! Pode entrar! Seja bem vindo! Vamos brincar de construir nossa humanidade!