Viver e morrer: A arte de fazer instantes de alegria em meio a dor

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Meu finado tio, padrinho querido e irmão de meu pai ficou internado num desses leitos numa disposição na enfermaria em que sua cama ficava em frente a janela. Bem como no conto que o Ricardo transcreve.

Ele e outro senhor, na cama ao lado, parceiro de adoecimento e de luta por viver o melhor da vida, dividiam entre eles o inventário diário das macas que passavam no pátio com lençóis brancos a cobrir os falecidos do dia.

Ao reverenciar os que encerravam seus dias sob os cuidados dos trabalhadores da saúde, naquelas horas em que ainda não chegaram nenhum dos familiares e o leito precisava ser liberado, meu tio homenageava os que seguiam e celebrava os dias que lhe restavam. Os dois faziam aquele inventário sem amargura e seu gesto tinha um que de gostosa ironia e de desafio ao pensarem de bem com a vida a proximidade da morte.

Onde outros veriam muros brancos eu vi a coragem de quem encara seu destino com o humor e empatia. Com a lucidez de ser mais um entre os humanos e que isso, longe de ser apenas um drama é também uma alegria que pode ser extraída de cada instante vivido desde que a ele se possa atribuir sentido e significado.

Aqui, neste texto em que as palavras dão vida aos que viveram histórias como a que nos brindou Ricardo, vive meu tio de novo na partilha desta lembrança.