Clínica ou diagnóstico X clínica ampliada e diagnóstico

11 votos

Nesse vídeo podemos ver um pouco das grandes fraturas e a grande fragilidade da aliança liberal conservadora diante dos impactos da quarta revolução industrial na economia, na política e no mundo do trabalho.

Independente do teor das acusações de promiscuidade de interesses dos proponentes do Telessaúde e do eSUS com o setor privado da área da saúde, cabe analisarmos a origem dessas divergências entre as diversas facções conservadoras e liberais da base de sustentação do governo federal.

A disruptura que a introdução da inteligência artificial está causando no setor industrial e na prestação de serviços é insuportável para o conservadorismo.

Aqui nós veremos uma grande guerra entre os interesses corporativos e o conjunto das expectativas do que seria um atendimento em saúde de qualidade. Menos trabalhadores especializados e mais qualidade no atendimento a saúde é o que nos prometem uma certa ciência e um determinado tipo de uso da tecnologia.

O que é central na atenção em saúde e na medicina? O diagnóstico e a tecnologia implicada no tratamento ou a clínica?

No primeiro caso o paciente não importa. Apenas a doença e os mecanismos bioquímicos, quimioterápicos e todo o conjunto de exames,  implantes e técnicas de intervenção cirúrgica que podem agir sobre a doença diagnosticada.

No segundo tipo de prática de cuidado em saúde, a clínica, palavra que tem origem no termo grego Klinikos – prática a beira do leito, debruçar-se sobre, dar atenção ao doente – implica na relação entre o paciente e seu cuidador, entre o médico e o paciente. É sem dúvida a abordagem que dá conta de humanizar e produzir qualidade de vida no ato de lidar com as dores da existência.

O fato é que para a medicina de mercado (que visa a eficiência para auferir lucro através da atenção em saúde) a clínica não tem nenhum interesse. O reducionismo da abordagem tecnicista implica no rebaixamento da existência ao lidar com a doença como mera disfuncionalidade.

Com a revolução da inteligência artificial um sistema de saúde que desconsidere a clínica permitirá uma grande redução nos postos de trabalho em medicina. O mesmo irá acontecer com os profissionais da área do direito e de muitas outras profissões.

Os algoritmos inteligentes são largamente mais eficientes do que humanos para traduzir a interação de variáveis em cálculos capazes de fornecer diagnósticos e condutas, prescrições em última análise. Mas o cuidado não se resume a esse processamento de informações (leia-se sinais e sintomas) em diagnóstico e prognóstico.

Entretanto, para a lógica de mercado é o que basta. Desse modo os profissionais da medicina serão substituídos por algoritmos inteligentes.

Estamos diante do desafio coletivo de encontrar razões para incluir a clínica (a relação entre cuidador e doente) nas políticas de saúde pública. Se isso não acontecer, veremos o avanço da crescente da desumanização do cuidado em saúde. O prejuízo será de grande parte dos trabalhadores da saúde, especialmente médicos, e dos usuários do SUS.

O vídeo citado mostra, para além da ideologia, que conservadores e liberais já estão percebendo a ameaça ao seu próprio status social, diante da mercantilização promovida pelo uso desastroso dos desenvolvimentos tecnológicos, especialmente da inteligência artificial.

É evidente que o uso de algoritmos inteligentes em saúde não é o mal em si mesmo. A ameaça vem da crescente eliminação da clínica, da relação terapêutica entre cuidadores e doentes, em favor do diagnóstico e tratamento automatizado e mediado por softwares e hardwares de alta tecnologia.

A sofisticação das análises desses fenômenos implica em sermos capazes de estar além dos processos abarcados pela inteligência artificial. O caráter de nossa humanidade exige mais do que simplificações protofascistas como essas que capturaram nossa agenda política.