O pensamento fragmentado e suas conseqüências
Porém a questão central é que temos uma série de linhas de corte bastante modernas nas formas conceituais de se abordar o tema da saúde. Moderno no sentido que Bruno Latour empresta ao tema. De certa forma fica “cada um no seu quadrado” e aspectos extremamente imbricados e articulados são tratados como distintos. Olharmos mais detalhadamente este processo histórico e cultural nos permite entender como os gastos são feitos. A partir daí poderemos planejar a forma de realizarmos mais e melhores investimentos em saúde.
Estas linhas demarcatórias são socialmente nítidas e eficazes em sua função de dificultar o pensamento do todo. Não obstante, a tradução entre as diversas formas conceituais e práticas em jogo não evita que os híbridos surjam e desempenhem seu papel no contexto geral. Uma espécie de monstro do Dr. Frankenstein, que embora construído a partir de partes de diferentes corpos, pensa e age. Ou seja, há algo de monstruoso no funcionamento dos sistemas de saúde. O que explica, em parte, sua retratação como sendo de permanente estado de crise.
Há então, retomando, linhas demarcadoras que separam e purificam estes aspectos complementares do sistema de saúde:
• Linha da demarcação para a saúde como setor da economia monetária;
• Linha da demarcação para a saúde como espaço político e de aplicação do saber técnico cientifico.
De um lado, a economia monetária e suas leis não escritas. De outro, a política e as ciências da saúde. No primeiro, temos um lugar de mobilização e fiscalização da sociedade (através de suas instâncias oficiais de representação: corporações de trabalhadores, de prestadores de serviço, associações comunitárias e outras ONGs). No segundo, as operações de mercado e as negociatas do submundo das relações entre o público e o privado.
De modo que ao conselheiro de saúde caberá olhar o aspecto político e de gestão dos planos de saúde de cada governo da hora. O conselheiro se concentrará em buscar, para a demanda reprimida e crescente, a melhor terapêutica disponível para o cuidado com a saúde dos indivíduos e das populações. Dificilmente ele conseguirá ver, ao primeiro olhar, os componentes puramente mercadológicos do jogo.
Para ele, a princípio haverá apenas um grande fornecedor último: o Estado. Como gestor do sistema o Estado deverá ser protegido dos ataques privativistas. Mas ao fim e ao cabo ele deve gerenciar e ser o responsável final por fazer a complexa engrenagem mover-se. A componente autodeterminante, desencadeada pelas relações entre as partes formalmente separadas do sistema, não será considerada na instância do controle social. Se for, não será significativa a ponto de determinar seus rumos e prioridades.
A racionalidade política é desta forma separada da racionalidade econômica com o objetivo “ingênuo” de proteger a primeira da segunda. A consideração econômico-monetária é deixada na mão dos interesses privados, os quais devem ser vigiados e reprimidos em favor da face pública do sistema de saúde.
O contraditório é que ao serem excluídos da equação da política os agentes econômicos encontram um nicho privilegiado onde podem agir livremente: A regulação do fluxo da demanda.