Fenômenos complexos
No brasil o uso do outro como bem e mercadoria era oficial e apoiado pela igreja.
Pior que isso, era o fato de se possuir o outro como objeto ter feito parte do cotidiano das infâncias dos pais de nossos avós.
Gosto de fazer mais de uma vez o que dá prazer. E não é só sexo, como recomenda nosso ministro. Assim, transcrevo como post a resposta ao comentário ao meu primeiro texto sobre a decisão do STF de permitir a cobrança por fora no SUS para médicos e serviços de hotelaria hospitalar. Então, quem teve tempo de ler os comentários já sabe que o mesmo texto está lá em:
redehumanizasus.net/node/10231
O primeiro desta série sobre a néo-casagrande em que se converteu o STF nesta questão do SUS e da constituição de 1988.
Pois é Ricardo. Uma coisa é a baixa repercussão aqui na RHS. Ela tem a ver com as interrogações que a Lilian Weber (apresentada por ti) e o Paulo Carvalho, ambos saudados pelo Eduardo Passos, vão levantando e tentando responder. Outra é o silêncio do coletivo amplo dos defensores do SUS em todo o espectro político de centro esquerda. É mais a este silêncio que eu me referia.
Como é de meu hábito, e desejo, apresento hipóteses para os dois aspectos deste silêncio.
Na RHS já podemos perceber um padrão de interação na comunidade virtual que é semelhante ao da internet em geral e de todas as redes de relacionamento. Alguns nodos são mais conectados que os demais. Talvez mesmo um pequeno número de nodos tenha conecção mais fluída e continua com toda a rede de relacionamento. Os demais se limitam a fronteiras estabelecidas no interior da rede de relacionamentos.
Por exemplo, um de meus posts mais lidos nunca esteve na primeira página. Mas tratava de um assunto referente a organização do trabalho nas equipes de enfermagem. Uma comunidade específica, mas numerosa dentro da RHS. Logo, foi muito acessado.
Os demais posts, mesmo indo à primeira página em cerca de dois ou três dias, só tem maior repercussão quando são comentados por alguns dos apoiadores mais conhecidos no contexto nacional. Você, Ricardo é um exemplo. Quer ver uma postagem ser muito lida, espere até o Ricardo comentá-la.
É uma hipótese de padrão. Se for confirmada apenas retrata a realidade dos limites de cognição consciente para uma determinada lista de temas que é possível adequarmos a uma agenda de trabalho efetivo. É uma referência aquela idéia de captamos 100% da informação que chega a nosso campo de visão, porém não podemos dar sentido a esse enorme contingente de informação. Daí a necessidade de agenda.
Esse tema dos limites para a cognição consciente me leva ao segundo aspecto do silêncio em torno da decisão do STF: O silêncio da classe média (de centro esquerda) brasileira em relação a um ataque tão decisivo ao SUS.
Aqui Darcy Ribeiro me socorre novamente. O sentido de ser brasileiro tem implícito uma série de preceitos e preconceitos. Eles têm origem na formação singular de nosso povo. Esta linha histórica em que há um grupo de humanos Cavalgados, os pobres, e outro Cavalcante, os ricos, vem sendo debelada por nossa luta cotidiana, solidária com as gerações que nos precederam. A constituição de 1988 dá um passo adiante na diminuição da desigualdade entre nossas gentes que posteriormente o governo Lula foi bem sucedido em radicalizar.
Inconscientemente o setor instalado na "casa grande" vem apresentando sintomas reacionários. A flutuação cíclica da condição econômica parece uma ameaça aos setores sociais com renda entre cem mil e um milhão de reais ao ano. A elite média percebeu que no capitalismo o atual ciclo virtuoso provavelmente dará lugar, em algum momento de nossas vidas, a uma depressão econômica.
Foi assim durante todo o século XX. Ainda assim o saldo do desenvolvimento foi positivo. Não enfrentamos uma degeneração das classes médias da economia como vimos na Argentina.
No entanto, assim como os escravagistas brasileiros temiam uma revolta de escravos no Brasil nos moldes da que ocorreu no Caribe; nossa elite, um saco de gatos, que inclui uma faixa de renda anual muito ampla, mesmo deixando de fora a “mini minoria” dos verdadeiramente ricos, está assustada.
A diminuição das desigualdades sociais apavora. Porque há a perspectiva de termos que arcar com os custos de uma crise econômica, ou social, num contexto em que não exista mais o enorme contingente de pobres, miseráveis e indigentes. Aqueles, sempre tão úteis a elite média e alta nos momentos de hiperinflação como foi a que durou do final da década de setenta até meados dos noventa.
Ou seja, precisaremos ser mais ricos e prósperos para cuidar de fato da saúde de todos, ou dividir melhor o fardo dos momentos de crise econômica. Pois é exatamente esta dúvida que leva inconscientemente, em minha opinião, os ministros do STF e os dirigentes da classe médica a buscarem garantias de renda e padrão de conforto para a era pós Lula.
Obrigado por comentar os posts.
Um abraço!
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Marco,
Tenho acompanhado essa conversa e não comentei pq só consegui ficar no nível reativo da indignação. A coisa é bem mais complicada, ne?
Iza