Pensando o pensamento.
Partilho com vocês um texto inédito que foi elaborado em 2008. Na época recebíamos na UFRN o próprio Cyrulnik e foi ai que conheci a tenda do conto e a querida Jacqueline.
Vamos ao fragmento do texto:
PARADOXOS DA CULTURA E ANTROPOLOGIA SIMÉTRICA. Rejane Guedes Pedroza- UFRN-2008
Movimentando uma mente que tenta falar desta própria mente, me reporto a uma citação num conto de Robert A. Heillen (escritor de ficção cientifica e realismo fantástico das décadas de 1960 e 1970) que perguntava enfaticamente: "- PENSAMOS OU SOMOS PENSADOS? "
Talvez, se eu resolvesse usar as ferramentas da racionalidade, poderia categoricamente dizer que minha rede neural produz arranjos sinápticos, onde reações neuroquimicas ativam o córtex cerebral, ativando as áreas da memória, da linguagem, do pensamento. Esse biologicismo talvez me satisfizesse por um tempo, como realmente o fez – dada a minha formação na área da saúde. Mas essa satisfação não duraria para sempre. Como de fato aconteceu.
Aproximando-me dos referenciais das ciências sociais fui apresentada à gênese da estrutura de relações sociais, com seu imaginário, representações e consciência coletiva. Assim, passei a pensar que o pensamento advinha também desse "destino prévio" que encontramos quando chegamos à terra como recém-nascidos. Revi minha trajetória pessoal e percebi que faço parte de um "projeto existencial" maior do que posso imaginar nesse momento. Tal projeto envolve a família biológica, as escolhas na trajetória familiar, os projetos parentais, as instituições imaginárias da sociedade, as reminiscências da tradição a qual me conecto por uns fios invisíveis e outros bastante evidentes. Envolve ainda as relações de produção, o universo político, econômico, educacional, enfim, a cultura como efeito de cada cenário de tempo e espaço, no qual minha jornada nesses 41 anos (Em 2008) pôde experimentar.
São as "tatuagens invisíveis" que vão plasmando minha dinâmica cognitiva, a ponto de imaginar-me (alucinadamente) num estado alterado de consciência , no qual começo a enxergar tudo como se fosse presenteada com um olhar de mosca. Um olhar multifacetado , graças a centenas de ocelos cujo efeito é a visão aos pedaços , compondo um quadro diferente daquele que meus dois olhos de humano costumavam me mostrar. Vem à mente a estória de Clarence, o leão estrábico da série de TV chamada Daktari que encantou as tardes da minha infância nos anos 70. A relação do animal com o mundo era modificada pela sua disfunção visual, o que alterava sua percepção e reações que não permitiam que ele assumisse o papel de "rei da floresta". Acho que às vezes somos esse leão e reproduzimos a inadequação desse nosso inquieto cérebro triúnico (Cio-Afetividade-Razão).
Paro novamente e, desconstruindo aquilo que pensava ser a resposta à pergunta, chegam agora as reflexões do etólogo Boris Cyrulnik que abriu o campo da pesquisa, na França, à etologia humana, dentro de uma abordagem pluridisciplinar, revolucionando inúmeras idéias pré-estabelecidas sobre o ser humano . Ele procura demonstrar em MEMÓRIA DE MACACO E PALAVRAS DE HOMEM, que a etologia constói uma antropologia natural onde a psicologia animal representa um manancial de hipóteses e um modelo a seguir no domínio da investigação. Mesmo reconhecendo que não podemos trazer os modelos do comportamento animal como analogia absoluta, mas podemos encontrar esses comportamentos em nossa espécie humana. Se "cada avanço de conhecimento é uma sutura no sempre esgarçado tecido da compreensão do mundo, a evolução do conhecimento é uma repetição do movimento oscilatório entre responder perguntas e formular novas questões". (ALMEIDA p. 42)
Certamente não conseguirei aqui responder a pergunta de Heillen, mas parece que meu cérebro de humano começa a admitir que "Assumir a ciência como um mundo parcial e como uma meia-verdade é um passo importante para alimentar o diálogo com outras meias-verdades contidas nas constelações de saberes outros, não científicos [e científicos também] (…) Mesmo que a parcialidade parasite o ato cognoscente, é no ponto de interseção entre natureza e cultura que está o desafio da compreensão do mundo". (ALMEIDA p.45)
Tenho tentado fugir do engessamento mental que enrijece o agir comigo e com o mundo, os outros, o "lá fora". Só tenho a revelar uma coisa: – o meu humor hoje não está dos melhores… ——————————————————————————
Leituras:
CYRULNIK, Boris. Memória de macaco e palavras de homem. Tradução de Ana Maria Rabaça. Lisboa, Instituto Piaget , 1993
ALMEIDA, M.da Conceição. Borboleta, homens e rãs. In: Margem – Revista da Faculdade de Ciências Sociais . PUCSP, n.15(jun.2002). São Paulo:Educ, 2002
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Reje,
Ao ler teu post, lembrei de Deleuze e Sartre. "Somos aquilo que fazemos com o que fizeram de nós", disse Sartre, talvez não exatamente com essas palavras. Já Deleuze, com aquela excelência de pensamento que lhe é peculiar, aponta as rupturas criativas ( devires ) que fazemos a todo momento em nossa história. Fazemos nada, são os devires do FORA que fazem-nos, criam-nos, nos fabricam no bom sentido. Ou seja, quebram as formatações que pensamos ser a nossa história.
Eu fui formada pelas idéias do marxismo. Achava que tudo era pura determinação histórica. O psiquismo como superestrutura. Mas e aí…que lugar haveria para a mutação subjetiva?
Divaguei até, né? Não, penso exatamente dessa maneira.
beijos
Iza