A Assustadora História da Medicina
Há pouco tempo atrás, lendo uma notícia sobre a descoberta da cura de feridas crônicas, lembrei dos "pequenos acontecimentos potentes" invocados por Deleuze como motores de mutações na vida. E de como o acaso é protagonista dessas mudanças.
Uma funcionária do hemocentro da UNIFESP, preocupada com o descarte de materiais biológicos como plasma e plaquetas, contribui para a criação do BIOCURATIVO. Trata-se de um curativo orgânico ( que bela idéia! ) para feridas que nunca cicatrizavam, apesar de todas as intervencões. Inventaram uma pomada com uma base de plasma e plaquetas que as fecha satisfatoriamente. Helenice relata a alegria de ver os pacientes emocionados com a cura.
Acontecimentos singulares como esse mostram que ainda não perdemos os gestos poéticos no pensamento e cuidados com a saúde. Os grandes avanços tecnológicos podem nos seduzir e encantar, com suas máquinas maravilhosas. Nenhuma nostalgia do "unabomber", não se trata disso. Não podemos esquecer que os dispositivos como máquinas de ressonância magnética e robôs cirurgiões também são belas produções humanas. Mas não se mostram ainda capazes de suplantar o afeto dos encontros entre pessoas.
O que me leva a recordar um curioso livro: "A Assustadora História da Medicina", de Richard Gordon ( Ediouro, 1995 ). Ouvi um comentário de que se trata de um livro "menor" e seu autor seguramente não foi laureado por nenhum título acadêmico. Sabendo que isto não garante o estatuto de dono da verdade ou competência a ninguém, recomendo a leitura do texto delicioso e cheio de humor de Gordon. Ali se descortinam os modos como foram descobertas a vacina da varíola por Edward Jenner, como foi patenteada a sulfonamida ( em 1933 e com uma suástica colocada mais tarde no rótulo ), o "show" de Charcot na aula sobre histeria na Salpêtriere de Paris, Pinel libertando homens e mulheres…e muitas outras histórias.
Alguns torcerão o nariz para esse modo de conceber os "fatos" em saúde, que chamaríamos de minoritário, não por se tratar de algo menor, mas justamente por conter essa dimensão poética da vida. Coisa obscurecida hoje pelo advento da triste sanha da eficiência-competência-efetividade que nos torna desapossados do mundo.
Para quem não encontrar o livro, acho que esgotado, siga os posts da série Devir-minoritário da Medicina que escreverei a seguir.
Iza Sardenberg
Coletivo de Editores da RHS
Por Marco Pires
Já é clássica a história do médico que se deu conta da necessidade de se lavar as mãos entre o ato de dissecar cadáveres e realizar partos em um grande hospital europeu no fim do século XIX.
O final é meio trágico mas dá uma dimensão bem clara de como as novas e boas idéias são pisoteadas e o bom senso ignorado. Especialmente pela imobilidade que a institucionalização nos instila. Se estiver com tempo para ler, clique aqui e conheça os detalhes que devem estar entre as histórias deste interessante livro que a Iza nos indica.
Um forte abraço!