Senhor Tempo,
“És um dos deuses mais lindos”…
Começo a escrever pensando nessa canção…tempo de natal em Natal.
O mar continua encantador, mas o dia a dia é de peleja. De manhã cedo, o trajeto esburacado faz aumentar a tensão. Na avenida João Medeiros, os acidentes, sirenes, e sinais quebrados não surpreendem; já não é raro um corpo estendido no chão.
Na unidade, uma olhadinha na esquina e a constatação de que a quantidade de lixo e de urubus aumentou…Nosso estagiário, bem humorado, fotografa e avisa que vai divulgar o novo “ponto turístico!”
Avisos escritos à mão em algumas das portas: microvlar, mesigyna, contracep: em falta. Material para curativo: em falta! Banheiro: interditado.
Se não tem Agente Comunitário de Saúde na área, façamos memorando.Se não tem médicos, façamos relatório.Se o ar condicionado do belo auditório reformado com recursos do pro-saúde, não funciona, façamos contatos: ligamos para a UFRN? Não. Para o gerente! Não. Para a secretaria municipal. Não! Então… vamos tentar a companhia elétrica?
“Preciso de um fonoaudiólogo para uma criança: para onde encaminho?”
“A gestante hipertensa que encaminhei não foi atendida. O médico terceirizado não está aqui para atender gestantes!O acordo foi esse! “
“Onde estão os resultados das citologias? Por que não chegam?”
Chegou memorando acerca dos vales transportes. “Sério? Os vales vão ser liberados?” Não. “Quem não recebeu pode fazer escala.” Como?
Dia de pagamento: “não, o meu não saiu. E o seu?” “Também não. Quando sai?” Dizem que ficou pra segunda…”Por que?” Não sei.
Melhor se aquietar, ir pra casa, dar um tempo. Tempo, tempo, tempo… Compositor de destinos, és um dos deuses mais lindos!
Pergunto: o que nos move?
Potengi tá na RHS: tapera da falação. Tem uma experiência bem interessante na USF Santarém. Em Soledade I a tenda do conto e a terapia comunitária estão reunindo muita gente! Os agentes de saúde não desistem e continuam no posso ajudar.Convite para participar da reunião do Grupo articulador de humanização de Natal: que bom!
Pergunto: o que nos move?
Roda com CAPS AD e os agentes de saúde:conversa que, de tão envolvente, faz com que esqueçamos o calor. PET saúde mental e os NASF,s juntos, estão retomando um trabalho de matriciamento que promete! Estudantes de Saúde e Cidadania, direção do Panatis, trabalhadores e usuários discutindo co-gestão com a representante do Conselho Municipal de Saúde: auditório lotado!
Pergunto: o que nos move?
O que nos faz inventar e reinventar todos os dias outros modos de fazer? De onde vem essa resistência?
Meu avô, inspirado na vegetação do sertão, dizia: a gente enverga, mas não quebra!
Todo natal, me assusto com a quantidade de brinquedos novos no mercado e lembro a minha infância: sabugos de milho eram bonecas, catembas de côco, caçarolas; flores do caramanchão se transformavam em colares, frutos do mandacaru enfeitavam as casinhas nos terreiros bem varridos na sombra de um juazeiro; o canto das lavadeiras no riacho, as roupas no quaradouro- lajedos, o cheiro de sabão feito em casa…Ah, as invenções…Trabalho que se faz arte quando feito coletivamente, com paixão, tecendo os fios do afeto, aproximando as pessoas, deixando fluir a potência de cada um. Acho que é isso que nos move. É talvez por isso que a gente pode até envergar, mas não se deixa quebrar.
No cotidiano, são as coisas “menores” que fazem as diferenças: a troca de olhares ao regar a pele em torno daquela úlcera que nunca cicatriza. O som da vida pulsante nos batimentos cardio-fetais, a reza de Dona Carmelita, a cura do paciente de TP, o abraço de Dona Cleide, a força movente da voz de Siqueira, a alegria de Lucinalva, a serenidade de Josefa, a vontade expressa na fala de Maria do Carmo, são como os brincos de mufumbo que nos enfeitavam as orelhas em época de estiagem. Preciosidades que nos fazem resistir, que afastam as faltas e nos preenchem com as paixões pelas reinvenções.
Uma paixão por estar juntos perseguindo uma saúde pautada no respeito ao outro, alimentando o sonho de condições dignas de vida para todos. É isso que nos move!
Senhor Tempo,
Que em tempos tão difíceis, possamos continuar resistindo, reinventando!
“Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo tempo tempo tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo tempo tempo tempo”.
Caetano Veloso
e lembrando que há sempre algo nascendo entre nós.
Por Rejane Marta de Medeiros
Jack mais uma vez você conseguiu brilhantemente traduzir o sentimento de nós trabalhadores da saúde do Natal. Como soldados bravos somos realmente resitentes a tudo que nos deixa em frangalhos, mas é a partir da força do coletivo que nos fortalecemos. Um grande abraço, um Natal cheio de Luz e que Deus nos conceda mais forças no Ano Novo.